O Ministério dos Negócios Estrangeiros já enviou para as autoridades do Iraque uma carta rogatória da Procuradoria-Geral da República para notificação dos gémeos iraquianos da acusação de tentativa de homicídio de um jovem em Ponte de Sor, em 2016.
Em janeiro deste ano, o Ministério Público (MP) proferiu despacho de acusação contra Ridha e Haider, filhos do antigo embaixador iraquiano em Lisboa Saad Mohammed Ali, por tentativa de homicídio do jovem Rúben Cavaco, na madrugada de 17 de agosto de 2016, em Ponte de Sor, distrito de Portalegre.
À data dos fatos, os gémeos tinham 17 anos.
Em janeiro deste ano, a procuradora Aurora Rodrigues assumia no despacho de acusação desconhecer o paradeiro dos arguidos, razão pela qual solicitou à Procuradoria-Geral da República (PGR) que, após a tradução, diligenciasse junto das autoridades iraquianas, "pelos canais próprios", para que os arguidos fossem notificados da acusação.
"Foi emitida carta rogatória para notificação dos arguidos, a qual, seguindo o procedimento habitual, foi transmitida ao Ministério dos Negócios Estrangeiros", refere a PGR, numa resposta enviada à agência Lusa.
A carta rogatória é um instrumento jurídico de cooperação entre dois países, através do qual um país requer o cumprimento de um ato judicial ao órgão jurisdicional de outro país, para que este coopere na prática de determinado ato processual.
“O Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) recebeu a carta rogatória da Procuradoria-Geral da República e reencaminhou-a para as autoridades competentes iraquianas, por via diplomática, de acordo com o procedimento habitual no âmbito da cooperação judiciária internacional”, explica o MNE, na resposta escrita enviada hoje à Lusa.
O papel do MNE, nesta fase do processo, “é o de servir de intermediário entre as autoridades judiciais portuguesas e iraquianas para facilitar e oficializar o contacto entre ambas, de modo a que os atos judiciais que a justiça portuguesa entenda relevantes neste caso possam ser cumpridos”, acrescenta o ministério.
Os filhos do embaixador tinham imunidade diplomática, ao abrigo da Convenção de Viena, e o Governo português pediu ao Iraque, por duas vezes, o levantamento da imunidade para que os jovens pudessem ser ouvidos em interrogatório e na qualidade de arguidos sobre o caso das agressões.
Em ambas as situações, as autoridades iraquianas “suscitaram questões jurídicas” e acabaram por retirar, em 2017, o então embaixador em Lisboa.
Assim, ao longo de todo o processo, devido à imunidade diplomática que as autoridades iraquianas sempre se recusaram a levantar, nunca foi possível interrogar os filhos do embaixador nem aplicar alguma medida de coação.
“Nos presentes autos não foi possível constituir arguidos e interrogar nessa qualidade Haider Saad Ali e Rhida Saad Ali, desconhecendo-se o seu domicílio atual e país de residência, tendo apenas sido informado nos autos que saíram de território nacional português, pelo que em Portugal não gozam de imunidade diplomática. Desse modo, adquirem aqueles o estatuto de arguidos com a acusação e prosseguem os autos sem o respetivo interrogatório, por impossibilidade de os notificar”, explica a procuradora Aurora Rodrigues, na acusação do MP, deduzida em janeiro deste ano.
O jovem agredido pelos filhos gémeos do embaixador do Iraque em Portugal recebeu do diplomata 40 mil euros para selar o acordo extrajudicial, que também pagou 12.000 euros em despesas hospitalares.
Apesar do acordo extrajudicial, a investigação prosseguiu, culminando com a dedução da acusação do Ministério Público.
Segundo a acusação do MP, os arguidos, "na sequência de uma discussão e confrontos físicos anteriores, agrediram de forma violenta a vítima, derrubando-a e atingindo-a com murros e pontapés direcionados em especial à cabeça e à face, deixando-a inanimada e só devido à pronta intervenção médico-cirúrgica não sobreveio a morte".
O jovem sofreu múltiplas fraturas, tendo sido transferido no mesmo dia do centro de saúde local para o Hospital de Santa Maria, em Lisboa, e chegou mesmo a estar em coma induzido. Acabou por ter alta hospitalar no início de setembro de 2016.
Lusa