Entrevista A Proteção Civil é muito mais do que a resposta
David Lobato é o comandante do Comando Sub- Regional de Emergência e Proteção Civil do Médio Tejo que iniciou funções no dia 1 de janeiro de 2023. As mudanças, os desafios do território e a visão de quem iniciou “a função” de bombeiro aos 14 anos.
Por Patrícia Seixas
O Comando Sub-Regional de Emergência e Proteção Civil do Médio Tejo tem um ano. Como é que está a ser a experiência em Vila Nova da Barquinha?
O Comando Sub-Regional fez, efetivamente, um ano de vida e eu acho que está bem e recomenda-se. Foi uma alteração àquilo que era o normal, estávamos organizados em distritos, passámos a estar em sub-regiões, ao nível do que são as comunidades intermunicipais, e tem sido uma boa aventura. Se me perguntar se foi melhor ou pior, acho que ganhámos mais do que o que perdemos. Foi uma solução no bom sentido e acho que temos pernas para fazer um bom trabalho. Neste caso, de uma forma mais pequena, mas a proximidade com as pessoas, entidades e instituições é muito maior. Havendo uma maior proximidade, o trabalho que se faz é sempre melhor.
Foi Comandante Operacional Distrital de Santarém. O que é se alterou na realidade?
No que foi a organização, em termos de resposta da Proteção Civil, não houve grandes alterações. Anteriormente, o Comando Distrital tinha uma panóplia de meios de outra dimensão, ou seja, tínhamos muito mais meios na nossa gestão e passámos a ter menos meios para gerir. Mas os meios continuam a ser os mesmos. Quando nós solicitamos - e a nossa sub-região tem as suas características próprias como sabemos - outros meios ou um reforço de meios, também os temos. Digamos que há aqui mais um patamar. Agora, se necessitarmos, temos que solicitar à Comissão Regional que faz acionar os meios necessários das várias regiões. Em certos aspetos, até acho que ganhámos um pouco por termos a capacidade de gerir os meios mais rapidamente, seja da Beira Baixa, zona de Leiria, Oeste ou Lezíria, pedindo ao nosso patamar superior. Perdemos a capacidade de gerir mais meios, mas ganhámos na gestão integrada com as sub-regiões à nossa volta.
“proximidade com as pessoas, entidades e instituições é muito maior. Havendo uma maior proximidade, o trabalho que se faz é sempre melhor”
Quais foram as principais dificuldades que sentiram nesta alteração de comandos da Proteção Civil?
O mais difícil foi gerir a mudança nas entidades. Algumas pessoas, não foram muitas mas houve algumas que tiveram dificuldade em assimilar isto numa primeira fase. Mas é normal pois o ser humano é resistente à mudança. Mas essa situação já está praticamente debelada.
Foi comandante distrital, vive no Cartaxo. Deram-lhe a possibilidade de escolher qual o comando sub-regional que queria liderar?
Sim, perguntaram-me.
Na Lezíria, tal como o nome indica, são terrenos de lezíria e muita charneca. Foi o desafio do território do Médio Tejo, com a sua extensa mancha florestal, que o levou a optar por esta sub-região?
Sim, foi o desafio do território, o desafio do que é o Verão no Médio Tejo. Não que a Lezíria não tenha problemas, porque os tem. Mas o Médio Tejo tem outras características, tem Fátima que quando há alguma operação é uma organização nacional, e foi isso que puxou um pouco ao desafio.
E logo nos primeiros meses de Comando Sub-Regional, houve uma Jornada Mundial da Juventude que passou por Fátima...
Efetivamente, o ano de 2023... e não foi só a Jornada Mundial da Juventude. Tivemos em Abrantes um exercício internacional, o MODEX, e em agosto, em pleno Dispositivo Especial de Combate a Incêndios, tivemos a JMJ, em Fátima. E no dia que o papa saiu de Fátima, tivemos logo um grande incêndio, vindo da região de Leiria e que nos entrou em Ourém. Talvez sejam todas estas coisas que dão a tal «pica» para ter passado para o Médio Tejo. Mas foi, de facto, um ano muito trabalhoso mas muito gratificante no final. Foi bem organizado, foi bem preparado, foi uma grande resposta e um grande trabalho conjunto de todas as instituições, principalmente dos corpos de bombeiros.
Após 2017 e 2019, o nosso território voltou a ficar pintado de cinzento e preto. Cinco anos depois do último grande incêndio, os corações voltam a ficar apertados quando se olha para Ferreira do Zêzere, Vila de Rei, Mação, Sardoal, Abrantes...?
Sim, os corações voltam a ficar novamente apertados porque começamos a ter outra vez a floresta a florescer. Em algumas partes, mais desordenada. Houve alguma intervenção mas estamos a falar de áreas muito grandes e poderemos começar a ter novamente problemas. Com 22 graus em janeiro... Mas as alterações climáticas estão aí. A sensibilização das pessoas e a mudança de mentalidade também nos vai ajudar mas que o potencial está lá todo, disso não tenhamos dúvidas.
“Se estiverem temperaturas elevadas ou se estiver vento, não façam as queimas. Todas as queimas que façam, comuniquem. Apaguem e só abandonem a fogueira depois de estar completamente extinta”
E as queimas e queimadas continuam a ser as principais causas dos incêndios...
Essa é uma nota que temos que reforçar sempre. Se estiverem temperaturas elevadas ou se estiver vento, não façam as queimas. Todas as queimas que façam, comuniquem. Sendo comunicadas na plataforma, os corpos de bombeiros e o Comando sub-Regional tem informação dessas queimas e se houver algum problema, nós rapidamente colocamos os meios. Depois é a maneira como fazem as queimas. Façam pequenos montes, não façam grandes fogueiras e, mais importante, não vão embora com o lume ainda a arder. Apaguem e só abandonem a fogueira depois de estar completamente extinta.
Hoje em dia, os bombeiros estão em constante processo de formação. Há sempre novas técnicas a aprender e aqui no Médio Tejo essa é uma preocupação que tem estado bem visível. É muito diferente ser bombeiro nos dias de hoje do que era quando começou…
A diferença está nas novas tecnologias. Os bombeiros têm que estar sempre atualizados, ou melhor, atualizadíssimos. Ainda há pouco fizemos uma ação de treino operacional no Comando Sub-Regional que teve a ver só com veículos elétricos. Uma coisa que nós achávamos que ainda não era para agora mas o que é certo é que 60% do mercado automóvel em 2023 foram veículos elétricos. Temos a circular nas nossas estradas à volta de 300 mil veículos elétricos e híbridos. É mais um desafio e por isso aquela ação de treino operacional, com aproximadamente 50 operacionais dos corpos de bombeiros e o Núcleo de Investigação Criminal da GNR que também foi ver aquilo que serão problemas, aquando de incêndios ou acidentes, para que possam identificar de outra forma. No final, todos disseram que tinha sido uma ação de treino excelente. O Comando Sub-Regional do Médio Tejo tem tentado juntar as instituições, trabalhar temáticas importantes e atualizadas, para não ficarmos de forma da carruagem. É que não sabe, não salva.
Como vê o reconhecimento das nossas equipas quando são chamadas a participar em cenários de catástrofes noutros países? Relembro as participações mais recentes nos incêndios do Chile, do Canadá, o sismo na Turquia… e quase sempre com elementos das equipas do Médio Tejo…
Sim. É também o reconhecimento do trabalho de todos, dos meus antecessores, nosso, de todos os corpos de bombeiros e de todas as instituições. É a tal organização. Já com o comandante Joaquim Chambel, com o comandante Mário Silvestre, todos têm feito um trabalho de planeamento e de organização que depois também é visível. É o reconhecimento do que tem sido o trabalho do distrito e do Sub-Comando do Médio Tejo. Quando as coisas são bem feitas, existe esse reconhecimento pelos nossos pares.
“A sub-região do Médio Tejo é a segunda ou terceira sub-região do país com mais «Aldeias Seguras» preparadas. Têm planeamento, planos de evacuação, sinalização, locais de abrigo, com rotas devidamente estabelecidas”
E quando surge uma dessas situações, todos se chegam à frente para ir ou retraem-se por não saber muito bem que cenário irão encontrar?
O sentimento geral é o de todos estarem disponíveis para ir. Depois temos o problema do «porquê é que mandamos uns e não mandamos outros». Há ali uns ciúmes mas para quem faz a escolha é um processo complicado. Também já estivemos por duas vezes em Moçambique, nas cheias, e o que tentamos fazer é gerir a escolha de forma a que todos os corpos de bombeiros tenham ido. Há alguns que ainda não foram mas, numa próxima oportunidade - Deus queira que não haja - mas se houver e se formos novamente escolhidos para mandar, com certeza irão outros que ainda não foram para nenhuma missão.
Há uma candidatura conjunta da CIM do Médio Tejo e do Comando Sub-regional aos Investimentos Territoriais Integrados. De que consta?
Há um processo a desenvolver-se na Comunidade Intermunicipal, numa iniciativa da CIM, com o apoio do Comando Sub-Regional do Médio Tejo, mas é da responsabilidade dos 11 municípios. Vamos agora começar a trabalhar no Caderno de Encargos e no concurso mas a proposta que nós fizemos, em conjunto com os corpos de bombeiros, diz respeito a equipamento para a Proteção Civil. Ou seja, falamos de veículos, investimento em infraestruturas para a área da formação, uma embarcação que tem a capacidade de fazer salvamentos mas também combate a incêndios, equipamentos de proteção individual, tendas, módulos de combate, módulos de carregamento, módulos de geradores, módulos de moto bombas... uma panóplia de equipamentos a serem geridos de forma intermunicipal. Significa que o equipamento pode estar deslocado em um qualquer município mas é de uso comum. A ideia dos autarcas, e mais uma vez bem, é ter equipamentos intermunicipais que todos os corpos de bombeiros e instituições possam utilizar. Este é um projeto pioneiro, já andamos a trabalhar nele desde 2022.
Mais de 2.200 aglomerados aderiram em seis anos ao programa “Aldeia Segura”, que visa garantir uma maior proteção em caso de incêndio, mas apenas 919 tem planos de evacuação para fogos, segundo dados da Proteção Civil. O que é que está a falhar?
A sub-região do Médio Tejo é a segunda ou terceira sub-região do país com mais “Aldeias Seguras” preparadas. Têm planeamento, planos de evacuação, sinalização, locais de abrigo, com rotas devidamente estabelecidas... Os municípios têm trabalhado muito essa questão. Eu não consigo falar pelos outros, só consigo falar pelo nosso trabalho com os municípios e aqui tiro o chapéu aos serviços municipais que também têm feito um trabalho de excelência. É que não é fácil chegar às pessoas nos pequenos aglomerados e dizer-lhes que quando têm fogo à porta que vão ter que sair e ir para um local de abrigo. A maior parte vai tentar que o fogo não chegue à casa ou tentar ficar lá com a mangueira da água. O problema é a idade destas pessoas e depois torna-se complicado. Quanto mais as pessoas estiverem sensibilizadas para este tema, menos problemas nós temos. Se soubermos que naquele aglomerado as pessoas estão organizadas e se estiverem todas, mais fácil é ir lá evacuá-las em caso de necessidade. E aí podemos colocar as nossas energias para o combate ao incêndio ou para parar aquela frente de incêndio. Podemos fazer melhor? Claro que sim. Temos aglomerados que ainda não têm esse plano devidamente articulado mas é um trabalho que temos vindo a fazer.
Também estão a ser implementadas no território as Áreas Integradas de Gestão da Paisagem, as AIGP. O futuro e a segurança das populações pode passar por este processo?
Eu penso que sim e tem mesmo que ir por aí. Temos que ter essas zonas organizadas. Com estradões feitos, com as linhas de gestão de combustível feitas, com pontos de água nessas áreas... o caminho tem que ser esse. Contudo, o país é pequeno, temos poucas pessoas e o interior despovoado. Têm que se arranjar formas mas não me cabe a mim... tenho ideias mas não tenho uma varinha de condão para resolver isto. O certo é que se não houver pessoas e não houver maneira de tirar alguma rentabilidade destas zonas, dificilmente conseguiremos implementar estes projetos. Mas é um caminho que tem de ser feito.
É de Alcoentre e vive no Cartaxo. Onde é que estão as suas raízes? Onde cresceu o pequeno David?
O pequeno David cresceu em Alcoentre mas tem sido do país. Nasci em Alcoentre e aí fiz a escola primária. Depois fui estudar para as Caldas da Rainha até ao 12.º ano e depois fui trabalhar para o Cartaxo. O meu trajeto tem sido sempre bombeiros, desde os 14 anos. Entrei para cadete e fiz as várias etapas de bombeiro voluntário. Depois passei a bombeiro sapador e sou sub-chefe de 1.ª sapador da Câmara Municipal do Cartaxo. Estou em Comissão de Serviço e quando a Comissão terminar, continuo a ter o meu emprego como bombeiro no Cartaxo. Em 2005 fui para elemento de Comando, passei a comandante em 2013 e até 2020 para a Autoridade Nacional de Proteção Civil como 2.º comandante distrital, comandante distrital e, agora, comandante sub-regional.
Ser bombeiro era um daqueles sonhos de menino?
É uma questão de família. O meu pai era bombeiro, um tio era bombeiro... os bombeiros tinham muito isto de os filhos seguirem a carreira dos pais. Agora já não. Eu tenho um filho e não me parece que vá ser bombeiro. De certeza absoluta que não vai ser. Mas no meu caso, foi o chamamento familiar. Mas não sei explicar o sentimento, acho que não se explica o «ser bombeiro». É qualquer coisa que já nasce connosco.
A Proteção Civil somos todos nós, não é? Qual a mensagem que o comandante sub-regional do Médio Tejo gostaria de deixar às populações deste nosso território?
É sempre necessário reforçar isso mesmo. A Proteção Civil não são só os bombeiros, a PSP, a GNR, o INEM... somos todos nós. Tudo o que é Proteção Civil inicia connosco. Se virmos um ramo na estrada, se paramos e tirarmos, não precisamos de estar a ligar para o 112 a pedir para os bombeiros ou os serviços municipais de Proteção Civil irem tirar esse ramo. Quando sabemos que vem muita chuva, não custa nada limpar os nossos algerozes. Há coisas que não custam nada. Com um pontapé, tiramos uma pedra que está a entupir um sumidouro. Na questão dos incêndios, é a questão das queimas. Ainda temos como causa principal dos incêndios, a negligência. A Proteção Civil é muito mais do que a resposta. Para mim, é mesmo muito mais do que a resposta. Proteção Civil é a antecipação, é o prevenir. A Proteção Civil somos todos nós.