Opinião UMA CASINHA, DUAS CASINHAS, TRÊS CASINHAS - Por Fernando Almada
NÓS, OS PROVINCIANOS
UMA CASINHA, DUAS CASINHAS, TRÊS CASINHAS
Uma casa portuguesa é com certeza…
Tudo está permanentemente em movimento. As galáxias, as estrelas, a Terra, os continentes, …, tudo.
Alguns gostariam de tudo parar. Por vertigem, por medos…ssss, para ir na onda (ir e onda parados? paradoxal!), pelas mais variadas razões. Mas nem a morte consegue tudo parar.
Claro que o movimento é relativo, isto move-se em relação àquilo. E para acompanhar este movimento as transformações dão-se, as adaptações acontecem. No que sentimos, no que pensamos, no que achamos, no que experimentamos…
Quando iniciámos estes artigos sentimos a necessidade de acertar com o leitor as nossas posições relativas para facilitar a possibilidade de (minimamente) nos entendermos.
Foi neste sentido que em Março tratámos o tema “As Transformações Do Conceito De Provinciano” e em Abril escrevemos sobre “Os Tempos E Os Espaços Da Província”.
Para além da mensagem que procurávamos transmitir havia um ‘acerto de agulhas’, um afinar das ferramentas para nos aproximarmos. Ou para nos afastarmos, pois hoje o leitor tem a possibilidade de selecionar o que quer ler, e é, certamente, falta de realismo quem escreve querer escrever para toda a gente. A abundância leva, naturalmente, à vontade de selecionar o que queremos.
Hoje vamos utilizar estas ferramentas, o conceito de provinciano e as noções do tempo e do espaço da província para ver as influências que têm quando pensamos na noção de casa, aldeia, cidade, etc. numa província que se pretende eficiente e atrativa, para ser uma alternativa aos grandes espaços urbanos e não um subproduto da cidade para onde os provincianos sonham fugir.
Os historiadores procuram ler passados. Os visionários imaginam futuros possíveis. Os empreendedores realizam projetos.
CASAS, CASINHAS E CASARÕES NA PROVÍNCIA
Alguns poderão pensar ‘uma casa é uma casa, seja na cidade ou na província’. Esquecem duas palavras que acima indicamos ‘eficiente’ e ‘atrativa’.
Claro que posso pregar um prego com um martelo, com uma pedra ou com qualquer outro objecto. Temos mesmo quem os procure pregar com a testa.
Mas se quisermos pregar umas dezenas de pregos vale a pena ir buscar um martelo, e um martelo adaptado à situação (grande/pequeno, pesado/leve, com um cabo grande/pequeno… há martelos de carpinteiro, de pedreiro, de serralheiro, de ourives, …). Se tiver de pregar milhares de pregos vale a pena investir num martelo pneumático.
Uma casa é também um utensílio que através dos tempos cumpriu muitas funções.
Uma casa pode ser um abrigo, um refúgio, um depósito, um local de reunião ou de separação, um promotor de status social, económico ou de prestígio, um criador de dinâmicas sociais, um microclima, um preservador de saúde ou causador de doenças, uma proteção ou um risco, um integrador social ou um individualizador, ….
Uma casa já foi o reino, o castelo, o domínio onde o indivíduo integrado na sua estrutura social (família, equipa, grupo) ou isolado, exercia a sua regência e poder.
Hoje vivemos quase todos em condomínios que temos de partilhar com quem muitas vezes não escolhemos e de acordo com estatutos e regulamentos que nos são impostos de forma coerciva.
Uma casa não é, portanto, só um teto e umas paredes. Tem de cumprir muitos outros objectivos. Mas para os cumprir, tal como o martelo acima citado, tem que ter as características necessárias.
Como é frequente o problema é complexo e optar por uma simplificação por mero facilitismo, faz-nos corre o risco de desfigurar todo o processo e chegar a conclusões abstrusas.
Mas juntemos algumas pontas:
- Dissemos em “As Transformações Do Conceito De Provinciano” -
. Os interlands (conceito mais amplo que o vulgar ‘interior’) dão, neste mundo globalizado, uma profundidade imprescindível à competitividade.
. Provinciano é um fenómeno que devemos analisar para podermos repensar e reestruturar e encontrar soluções em questões como:
O repovoamento do interior.
A resposta aos fogos.
O desenvolvimento do país.
…
. Mais do que umas opiniões que vão sendo imitidas ao sabor do acaso ou pior, dos interesses momentâneos, é fundamental levantar conjeturas (opiniões, sim)
. Para nos interrogarmos não basta lançar perguntas para o ar e expressar opiniões.
. A província onde hoje podemos aceder à ‘realidade virtual’ sem perdermos (ou melhor sendo obrigados a manter) o contacto com a ‘realidade real’ pode ter soluções
. É verdade a mudança já se deu. Pelo menos nos caminhos que podemos trilhar…nas pessoas nem tanto.
. A individualização e a personalização são fatores fundamentais nesta mudança.
Portanto – 1- a mudança deu-se; 2 – a individualização impõe-se; 3 – o virtual e o real ainda convivem na província (por quanto tempo?); 4- há que confrontar opiniões e posições; 5 - os interlands são essenciais para o desenvolvimento do país.
- Dissemos em “Os Tempos E Os Espaços Da Província” –
. Hoje as pessoas (todos nós, os provincianos e os outros) ganharam autonomias e possibilidades de escolha que lhes permite seguir o seu caminho, sem que estejam dependentes das opções dos outros.
. Os equipamentos e instrumentos disponíveis permitem que cada um possa seguir o seu percurso, pois foi libertado de dependências que existiam ainda há bem pouco tempo.
. As possibilidades de escolha aumentaram em poucas dezenas de anos, brutalmente. Porém a capacidade (bom gosto e bom senso) para escolher parece ter diminuído.
. Os tempos e os espaços na província também mudaram. Profundamente. Mas as pessoas nem tanto
. A província permite-nos todo um leque de escolhas se nos adaptarmos e adequarmos ao que está disponível.
. Copiar o que nos vem da cidade não é, certamente, a melhor solução.
. Na província, o ritmo de vida, os horários, a estrutura social e familiar, o nosso contacto com o quadro envolvente, a estrutura do dia, do mês e do ano, …tem enquadramentos diferentes do que acontece nos grandes centros.
. Ora hoje, e ainda mais amanhã, o mundo é, sem dúvida, diferente daquilo que ontem foi.
Portanto - 1- a mudança deu-se; 2 – a individualização impõe-se; 3 – as possibilidades de escolha aumentaram; 4 – os equipamentos mudaram mais do que as pessoas; 5 - o salto evolutivo dos meios e equipamentos deve ser acompanhado pelas transformações nas pessoas.
Uma casa portuguesa é com certeza – Portugal país de recantos maravilhosos mas esquecidos ou ignorados.
Concretizando em relação às ‘CASAS NA PROVÍNCIA’
. As casas ou conjuntos de casas (aldeias, vilas, etc.) são instrumentos de uma política (sentido lato do termo e não meros incidentes ou tricas).
. A informação, a capacidade de comunicação e todos os outros meios que hoje são disponibilizados no interior, na província, igualam ou ultrapassam mesmo as facilidades a que podemos recorrer nos espaços urbanos.
. Por outro lado as deslocações (incluindo a possibilidade de encontrar estacionamentos ou espaço nos meios de transporte) tomam muito menos tempo no dia-a-dia, o que altera a estrutura da organização diária e dos horários.
. Alguns terão a tentação de dizer - Diz-me onde é a tua casinha e dir-te-ei onde os teus filhos vão à escola, o médico ‘de família’ que terás’, os impostos que vais pagar, os direitos que podes ter e as obrigações que tens de satisfazer. Porém muitos já nem conseguirão perceber o sentido destes bloqueios mentais pois as opções não devem ser impostas ‘administrativamente’.
. A casa alcançou ainda importância pois ganhou as características de um centro de informação e serviços, um espaço onde a automação e a robotização exigem que quem controla os equipamentos e aparelhos conectados em rede seja capaz de definir estratégias de atuação ou pelo menos os objectivos que pretende atingir e os resultados que gostaria de obter.
. A casa ganha assim funções e dominâncias diferentes das que tinha anteriormente, aproximando-se do que é hoje um avião ou um navio em que os centros de decisão se adaptaram a toda uma dinâmica de funcionamentos articulados.
. Como imagem breve sobre esta mudança temos a evolução da concepção de um avião que em tempos partia da célula para a motorização e os equipamentos. Depois passou a estar centrada no motor que se iria utilizar. Hoje, partirmos dos equipamentos, armamento (para os militares) e electrónica para em torno destes conceber então uma célula e um motor. São outros entendimentos e realidades de avião.
. A casa deixa deste modo de ser um local onde aconteciam coisas com espaços dedicados a estes funcionamentos (zona da alimentação, cozinha, sala de jantar, etc., zona de estar, zona de dormir, escritório…) para passar a ser uma ‘casa viva’ que participa e desempenha funções de forma ativa.
. Quando falamos em eficiência e atratividade referimo-nos a estas capacidades que permitem ganhar tempo e possibilitam que os serviços (automatizados ou mesmo robotizados) tenham lugar e não sejam bloqueados, seja de dia seja de noite, numa dinâmica em que os diferentes intervenientes (residentes ou não) usem as conexões necessárias e disponham também das privacidades indispensáveis (ou consideradas como tal).
. O desenho/projeto urbano (temos que utilizar a terminologia existente de espaço urbano e espaço rural) obedece a novos parâmetros pois muitos dos serviços a que as pessoas recorriam passaram a ‘estar em casa’. A proximidade dos espaços que dantes se chamavam de laser (hoje espaços em que vivemos) deve ser privilegiada, tal como a integração do virtual e do real.
. Os ritmos e tempos de vida deixaram de ser dominados por horários rígidos (até porque os contactos em tempo real com outros espaços mundiais fazem com que haja necessidade de integrar horários e períodos diários diferentes). Os tempos de produção (noutros tempos chamados de trabalho ou mesmo horários de emprego) exigem, para podermos ser eficientes, personalizações que são possibilitadas pelos equipamentos que prestam serviços e coordenam prestações.
. E não nos enganemos, a mudança já se deu (não é uma visão do futuro) os meios estão disponíveis – como dizíamos “os caminhos mudaram…as pessoas nem tanto”.
Nota – veja-se como a linguagem e a terminologia se torna difícil quando começamos a tentar concretizar e a estruturar os diferentes mundos em que vivemos. O debate pode ajudar a ultrapassar esta dificuldade, mas tem de haver um esforço de todos os participantes para não tropeçarmos nas palavras.
PARA ENCERRAR
Habituámo-nos a ouvir falar sem considerarmos que as palavras têm consequências e sentidos (também já o tínhamos dito várias vezes, mas quem nos ligou?).
Mas o debate é essencial, mesmo que muitos fiquem fora e não queiram participar.
Mas para debater, insistimos os que o queiram fazer, temos de aprender a ouvir e a tentar perceber o que é dito.
Ficar à espera de soluções estandardizadas para imitar é voltar atrás e prescindir das vantagens que estão disponíveis. A velocidade a que vamos pode não permitir uma recuperação fácil. Mas cada um (pessoa, grupo, comunidade…) pode fazer as suas opções e, naturalmente, assumir a responsabilidade por elas.
Fernando de Almada - investigador, professor universitário: Investiga, nomeadamente, “disfuncionalidades” – ou seja, há coisas que, aparentemente, têm tudo para funcionar …e não funcionam!
NÓS, OS PROVINCIANOS - reflexões, análises, sugestões ao início de cada mês em www.jornaldeabrantes.pt