Se abandonarmos visões bucólicas e campestres de imaginários do passado perceberemos, numa visão macro do mundo, que os interlands (conceito mais amplo que o vulgar ‘interior’) dão, neste mundo globalizado, uma profundidade imprescindível à competitividade.
É que esse ‘interior’ é bem mais do que A - um incómodo que é preciso atravessar para chegar a outras metrópoles, ou do que B - um espaço onde vamos passar uns dias à “parvónia” (sic), para olhar “a natureza”(?), antes de podermos ir para ‘o Algarve’ ou para ‘o estrageiro’ gozar férias.
As aparências iludem. Os problemas são mais complexos do que aparentam. O mundo é mais difícil de entender do que muitos julgam.
Tendo em conta esta complexidade vamos olhar para o conceito de provinciano.
Provinciano é um fenómeno que devemos analisar para podermos repensar e reestruturar e encontrar soluções em questões como:
As ‘borbulhas’ até podem ser muitas, mas as causas profundas (a doença na origem das borbulhas) é sempre a mesma. Ataquemos o cerne da questão.
Mais do que umas opiniões que vão sendo imitidas ao sabor do acaso ou pior, dos interesses momentâneos, é fundamental levantar conjeturas (opiniões, sim). Opiniões que, porém, têm de ser testadas na sua coerência e consistência para podermos aceitá-las.
O sentido crítico e a dúvida permanente são fatores poderosos para construirmos quadros de referência cada vez mais sólidos e coesos.
Há dezenas de anos que vivemos e investigamos a província. É neste âmbito que aqui expomos efeitos e resultados, procurando um diálogo com quem vive perto (mas o que será perto?).
Insistimos, o mundo é uma coisa mais complexa do que aquilo que alguns gostam de acreditar.
Complexo porque os fenómenos e os problemas se encadeiam uns nos outros, como … ‘as cerejas’. Puxamos um (fenómeno ou problema) e os outros vêm atrás.
A tendência é, no entanto, para agravarmos ainda a complexidade. Ou porque simplificamos (?) demais, ou porque complicamos demasiado (alguns conseguem fazer ambas e ambas são graves) – ‘o pecado’ está, de facto, na falta de medida.
Ora a verdade é que complexo não tem de ser complicado.
Simplificar demais pode complicar. Por exemplo, quando se procurar tratar caso a caso os assuntos, esquecendo algumas ligações fundamentais para podermos lidar com o assunto. Mas fazer ligações a mais também não ajuda.
E somos mesmo todos diferentes. Até no nível de complexidade ou de simplificação com que funcionamos (de forma eficiente, claro).
Veja-se, de novo como exemplo, como os tópicos acima apontados, o repovoamento do interior, a resposta aos fogos, o desenvolvimento do país, a coesão social, a adaptação à mudança, etc., estão todos no mesmo ‘cesto’.
Tentar resolver esta complexidade com ‘uns descontos nas portagens’ ou ‘uma redução no IRS’ (por uns tempos!) é, evidentemente, simplificar demais.
Mas esperar que uma comissão qualquer resolva todos os problemas do país, da Europa e do mundo, é complicar demais e adiar para ‘nunca mais’ (alguns gostariam, até!) temas que são urgentes.
Propomo-nos conversar com os leitores sobre estes temas, mas a própria linguagem e até as ‘simples’ palavras (mesmo quando não falamos de futebol ou de política) são armadilhas perigosas. É fácil que cada um esteja a falar para o seu lado e ninguém se oiça ou entenda.
Começando a puxar uma cereja (as outras virão depois) prevenimos para algo que é uma evidência (tão evidente que não damos por isso). A mudança tão falada, jáse deu(nota – o homem chegou à Lua há já cinquenta anos, só para nos situarmos). Deu-se porque apareceram ferramentas que a impuseram. Deu-se porque os meios disponíveis a tornaram possível, primeiro, e em seguida a forçaram. Em menos de trinta anos.
Os alertas que poderiam ter ajudado e prepará-la de pouco serviram. O que aliás teria de ser espetável num mundo em que apesar da quantidade de debates e discussões sobre o tema a maioria das pessoas ainda não entendeu que os jogos do ‘Futebol Clube…qualquer coisa’ e os da ‘Sociedade Anónima Desportiva’ com o nome do clube são jogados em campos diferentes e com objetivos diferentes. São mundos distintos.
É no meio desta confusão que vamos olhar para o conceito de provinciano. Provinciano é, se consultarmos o dicionário, um habitante ou um natural da província, alguém que não é da capital ou vive longe da capital e dos hábitos da ‘corte’ (dirão alguns da Corte – com uma vénia), do ‘centro do poder’…
E tiram-lhe mesmo consequências passando a considerar ‘provinciano’ como sinónimo de ‘atrasado’, ‘sem cultura’, ‘sem sofisticação e com falta de elegância’, ‘cafona’, ‘antiquado’, ‘ridículo’, ‘retrógrado’, ‘simplório’, ‘pacóvio’, ‘tolo’, ‘palerma’, ‘estúpido’, ‘do interior’.
A lista com sentido depreciativo é um conjunto que não tem fim. E praticamente não existem posições discordantes em relação ao depreciativo
Será que têm razão? Afinal é uma posição largamente dominante. Certamente terá algum sentido! A expressão “Urbi et orbi” (a cidade e o mundo – a cidade e ‘os outros’) tem séculos. Estará velha e desatualizada?
Interrogarmo-nos sobre todas estas implicações e problemáticas será uma posição saudável.
Interrogação saudável não só nesta situação, mas também sempre que algo não encaixa bem na lógica com que vemos o mundo. Ou quando, pelo contrário, encaixa de uma forma de tal modo hegemónica que não tem contraditório. Será o que alguns chamariam de ‘dúvida sistemática’.
Para nos interrogarmos não basta lançar perguntas para o ar e expressar opiniões. É preciso organizar o processo – ‘puxar pelas cerejas’, e tudo vai ganhando novas formas e mudando, por muito que custe aos que querem tudo preservar (??). Tudo muda e o mundo também.
Mas as palavras deveriam ter consequências nas visões que procuram transmitir e nas ideias que pretendem expor. E não só nas reações que desencadeiam.
Já (portanto há mais de um século) Ferdinand de Saussure alerta para os significados e os significantes que integram um signo. Mas quem tem tempo para estas coisas? E ainda há quem se admire que cultura, erudição, verborreia sejam sinónimos, pelo menos enquanto não forem substituídos por uns grunhidos.
A província onde hoje podemos aceder à ‘realidade virtual’ sem perdermos (ou melhor sendo obrigados a manter) o contacto com a ‘realidade real’ pode ter soluções para que a boçalidade não invada tudo como ervas daninhas. Ou já nem isso? Estará a província já condenada a não ser mais do que o citadino usado e em segunda mão?
Só ‘nós os provincianos’ temos a resposta a estas perguntas. Mais do que nos discursos, nos sonhos e nos procedimentos.
Pensar, tentar compreender para poder reformular a vida dos provincianos (e as outras por arrasto, como as cerejas), ou seja, a nossa vida, passa por tratar e discutir temas como:
a) O tempo e o espaço, que não será a discussão de newtonianos versus relativistas mas ver como os tempos e os espaços são diferentes na cidade ou na província;
b) Tempos e espaços suportados por estruturas urbanísticas diferentes;
c) Com estratégias de formação e educação diferentes;
d) Servidos por ferramentas e estratégias diferentes…
É verdade a mudança já se deu. Pelo menos nos caminhos que podemos trilhar…nas pessoas nem tanto.
A individualização e a personalização são fatores fundamentais nesta mudança.
As soluções só podem ser próprias e singulares. Construídas à medida de quem as queira utilizar de uma forma eficiente.
Mas a alternativa de ser um robot (cumprindo hábitos e comportamentos repetitivos) está também disponível (pelo menos até que aconteçam as próximas fases de evolução da inteligência artificial, a nível conceptual e operativo) para quem o preferir.
Mas quem quererá sair da sua zona de desconforto?
Não confundimos conforto com imobilismo. Por isso propomos o debate.
Fernando de Almada - investigador, professor universitário: Investiga, nomeadamente, “disfuncionalidades” – ou seja, há coisas que, aparentemente, têm tudo para funcionar …e não funcionam!
NÓS, OS PROVINCIANOS - reflexões, análises, sugestões ao início de cada mês em www.jornaldeabrantes.pt