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Covid-19

Entrevista | Carlos Andrade Costa - “Sempre foi o nosso compromisso: não deixar ninguém para trás”

7/05/2020 às 10:00
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Carlos Andrade Costa (Créditos Imagem: Jornal de Abrantes)

Com cerca de 2000 profissionais, o Centro Hospitalar do Médio Tejo tem tido destaque pela prontidão e capacidade de resposta em tempos de pandemia. Já realizou perto de 4000 testes à Covid-19 mas o foco vai mais além, porque há mais áreas que precisam de atenção. Carlos Andrade Costa, presidente do Conselho de Administração desde 2014 e recentemente reconduzido para mais três anos, destaca a evolução, as conquistas e o potencial do CHMT.


(Jornal de Abrantes) Há 6 anos à frente do CHMT, qual o balanço que faz do trabalho desenvolvido?

(Carlos Andrade Costa) Penso que o balanço que se pode fazer deste período que se iniciou em julho de 2014 é muito positivo. Podemos medi-lo pelo aumento de consultas, de cirurgias, de investimento em renovação de equipamentos, de profissionais diretamente afetos à atividade assistencial.

O CHMT é uma Instituição com um enorme potencial clínico. Com excelentes profissionais e com uma capacidade instalada que permite ambicionar cada vez mais - se disso houvesse dúvidas, creio que a pandemia que vivemos deu à nossa população uma consciência muito clara das enormes vantagens competitivas, por sermos um Centro Hospitalar com três edifícios hospitalares cuja articulação é numa clara lógica de complementaridade de capacidades assistenciais. Este aspeto permitiu, nesta pandemia, assegurar níveis muito altos de segurança clínica, quer para os profissionais quer para os nossos utentes. A prova desses mesmos níveis de segurança clínica pode comprovar-se no residual número de casos de profissionais que contraíram a infeção por SARSCoV-2 no âmbito da sua atividade profissional: apenas 2!

 

Se tivesse de classificar esse mesmo trabalho numa palavra, qual seria?

Gratidão! Gratidão por o CHMT ser uma casa onde trabalham tantos e tantos profissionais com um espírito tão elevado de missão e de plena dedicação aos seus doentes e à missão do nosso Serviço Nacional de Saúde.

 

(DR Edição: Jornal de Abrantes)

 

A ideia de que o responsável máximo de uma entidade hospitalar é alguém que lida com as situações do ponto de vista burocrático e não no terreno corresponde à realidade, no seu ponto de vista?

Essa é uma ideia do passado. Mal de quem gere se pensa que ainda é o ponto axial da Instituição. O ponto nevrálgico de uma Instituição e da sua gestão é a capacidade de em equipa, como um todo, ser capaz de produzir valor. De acrescentar algo de novo e que corresponda a uma necessidade sentida e vivida pelos profissionais ou pela população que serve. A gestão, centrada em si mesma ou num convencimento sobre a sua importância,  não serve para nada. A gestão, hoje, é responder a necessidades e antecipar respostas, para que os problemas, as dificuldades, não cheguem a surgir.

(…) Gerir hospitais é uma função muito complexa. É das organizações mais complexas de gerir nas sociedades contemporâneas. Eu diria que não é tarefa para inexperientes. Porque se for, é a população que pagará esse erro. Mesmo com experiência, nunca há certezas, pois o inesperado está sempre atrás da porta. Quem previa esta pandemia? Que podia ser, e ainda pode ser, um caso muito sério para a gestão das unidades de saúde.   

Quando as coisas correm bem na gestão, o grau de exigência daqueles para quem trabalhamos aumenta sempre. Fazer é dar a oportunidade aos outros de exigirem mais de nós. E, por isso, a gestão é sempre um esforço maior. Somos um país de treinadores de bancada. E na Saúde mais que no futebol. Às vezes ninguém sabe como se faz, mas depois todos sabem como se fazia. Em Saúde é muito assim. Mas quero acreditar que a atual pandemia ajudará os portugueses a perceber que, afinal, tem um Serviço Nacional de Saúde muito melhor do que aquilo que às vezes se diz.

 

A necessidade de obras nas urgências do hospital de Abrantes, bem como de um equipamento de ressonância magnética, tem sido muito reivindicada pela CUSMT. Qual o ponto de situação?

Quer num caso quer noutro dos dois que refere, penso que teremos boas novidades no futuro próximo. Muito próximo. Agora é fechar com sucesso este momento de pandemia. Depois, é voltar a concentrar esforços nos projetos que tínhamos. O tempo é um tempo de confiança. Como é sempre a melhor forma de viver tempos difíceis como estes.  

 

Sendo a Unidade Hospitalar de Abrantes a que concentra as urgências médico-cirúrgicas, e recebendo doentes desde o alto Alentejo até zonas mais a norte do distrito de Santarém, a exigência em termos de qualidade de serviço é certamente maior. Considera que o CHMT está apto para dar respostas rápidas e eficazes àqueles que o procuram?

A resposta à sua pergunta é dada pelo facto de termos cada vez mais doentes provindos de outros pontos do país. Há especialidades onde, antes da pandemia, mais de 10% dos utentes são já de outras origens que não a nossa região. Acha que um doente de Viseu vem ao CHMT se não tiver confiança no nosso trabalho? Às vezes penso que os únicos que não entenderam o valor do CHMT são os que aqui vivem. Mas já são muito poucos, pois a confiança é cada vez maior.

O CHMT está entre os cinco, talvez seis, hospitais de todo o país que terminaram o ano de 2019 sem praticamente nenhum doente em espera de consulta há mais de um ano. Os outros quatro ou cinco hospitais são todos do norte do país. Dizia a senhora ministra [da Saúde], na última reunião com os presidentes dos Conselhos de Administração dos hospitais antes de declarado o Estado de Emergência, que o CHMT estava quase, quase perfeito. ‘É só continuar assim’, dizia. Isto é um elogio muito expressivo de uma ministra que não tem por hábito fazer grandes elogios. E o CHMT foi o único hospital ali presente que teve este reconhecimento. É notável, e só se deve ao esforço e à dedicação de todos os profissionais desta casa.

 

 (DR Edição: Jornal de Abrantes)

 

Ao longo dos anos, uma das queixas recorrentes da população está no tempo de espera e no atendimento “a despachar” nas urgências. É inevitável chegarem-nos aos ouvidos histórias de diagnósticos errados ou de pessoas que são mandadas para casa e que têm de voltar ou, no pior dos casos, acabam por morrer. O que é que falha aqui?

Esperar numa Urgência é perfeitamente normal quando há doentes com situação clínica que inspiram mais cuidados. Se vou a uma Urgência porque esfolei um joelho e fez um pouco de sangue numa pequena queda, é possível que espere ali várias horas. Isto é um exemplo. Nesta situação deveria ir ao Centro de Saúde. Ou ligar à Saúde 24 e pedir orientação. As Urgências dos hospitais não servem para isto. Se servirem para isto estamos a esbanjar muito dinheiro dos nossos impostos. A gastar muito dinheiro que pagamos com os nossos impostos para lavarmos o joelho esfolado com água oxigenada. Este é um exemplo um pouco infantil, mas cada um de nós sabe avaliar o que estou a dizer.

Por outro lado, a vida muitas e muitas vezes termina nos hospitais. Não somos eternos. E não podemos ter a mesma expectativa de sobrevida quando se tem um conjunto severo de patologias e uma idade superior a 80 ou a 90 anos. Felizmente, vivemos cada vez mais e talvez ainda consigamos aumentar mais a esperança de vida. Mas não podemos esperar que os hospitais nos deem a eternidade. Talvez tenhamos que perguntar o que é que fazemos e o que é que fizemos pela nossa saúde. Se paramos de fumar, se paremos de comer doces em excesso, de beber bebidas alcoólicas em excesso. Se começamos a fazer exercício físico, se reduzimos o sal na nossa alimentação, etc. etc.

Não há organizações perfeitas. Logo não há hospitais perfeitos. Mas também não há doentes perfeitos. E precisamos de ter consciência disso. Nós, em Portugal, continuamos a colocar as culpas do que corre mal na saúde num único lado. No resto da Europa a discussão vai muito para além disso. Há uma responsabilização muito clara também dos cidadãos sobre aquilo que fizeram para preservar a sua saúde e sobre a forma como usam os recursos disponibilizados pelos Estados. Há muitos países por essa Europa fora onde um cidadão não pode ir a um Serviço de Urgência por iniciativa própria - só se o seu médico lhe der essa indicação ou o serviço equivalente à nossa Saúde 24. Há, nesses países, uma consciência muito elevada sobre os custos da saúde para os contribuintes e sobre o tempo precioso dos profissionais de saúde para tratarem quem, verdadeiramente, está doente e precisa de um hospital.

 

Além das já referidas obras nas urgências, que melhorias faltam fazer no CHMT e pretende levar a cabo neste mandato?

Por regra, associamos sempre o progresso a obras. A cimento e a betoneiras. Na saúde não é bem assim: o investimento mais importante é em batas brancas, em massa cinzenta. É em conhecimento. É em inovação. Em profissionais. Em criar um projeto coerente que congregue os profissionais e atraia outros para que possamos crescer. A qualidade dos profissionais é o essencial em todas as áreas, mas em Saúde é a verdadeira vantagem competitiva.

Mas há muito caminho para fazer na capacidade de diagnóstico das mais diversas patologias, doenças. Há também muito caminho para fazer em áreas como a Cardiologia, em áreas como a medicina intensiva – e todos nós vimos a importância de termos uma Unidade de Cuidados Intensivos com uma plena capacidade de resposta aos doentes infetados. Há muito caminho para fazer na introdução de novas abordagens cirúrgicas e na inovação clínica. Há, ainda, muito caminho para fazer ao nível das idoneidades formativas de novos médicos especialistas. Há muito para fazer e apenas três anos - um dos quais com uma pandemia que nos condicionou - que vão passar a correr e deixar muito e muito para fazer e por fazer.

 

Uma das recentes iniciativas implementadas foi a Hospitalização Domiciliária que já vai a caminho dos dois anos de existência. É um projeto que tem rodas para andar?

A Unidade de Hospitalização Domiciliária do CHMT é um êxito. Foi a primeira a ser certificada em todo o país. É um projeto para aprofundar e que merece todo o investimento. É isso que continuaremos a fazer.

 

(DR Edição: Jornal de Abrantes)

 

Em julho do ano transato, o CHMT deu conta de que diminuiu a dívida total em quase 6 milhões de euros. Como está hoje a saúde financeira do centro hospitalar?

O CHMT atingiu em alguns anos dívidas absolutamente insustentáveis.  Dívidas até difíceis de explicar, na medida em que não investia. Não desenvolvia números particularmente elevados de produção assistencial. Mas tinha dívidas muito elevadas. Chegaram a atingir valores na ordem dos 50 milhões de euros. Uma verba elevadíssima.

Felizmente, esses tempos pertencem ao passado. O CHMT tem tido resultados muito mais equilibrados. Tem um a maturidade de dívida relativamente baixa. Investe. Aumenta a produção. É de boas contas. É, no fundo, uma Casa equilibrada. O que abre perspetivas de continuar a investir. De continuar um percurso de desenvolvimento.

 

Como disse, em três anos há muito que fica por fazer, e agora com o aparecimento da pandemia de Covid-19, o foco tornou-se apenas no combate a este vírus?

Nós nunca estivemos, apenas, focados no Covid-19. Mantivemos muitas linhas de cuidados assistenciais ativas: atividade cirúrgica programada, hospitais de dia a funcionar para os doentes que careciam de manter os seus tratamentos nesta linha, a Unidade de Diálise a trabalhar sem, praticamente, nenhum impacto por causa da pandemia. Mantivemos ininterrupto o acompanhamento dos nossos doentes diabéticos e, neste aspeto, com um apoio que serviu muitos doentes em outros pontos do país já que o apoio era, em primeira linha, assegurado via telefónica. Apoio aos doentes diabéticos que incluiu as regiões autónomas. Fizemos milhares de consultas não presencias aos nossos doentes. Continuamos a fazer técnicas de cardiologia. Continuamos a fazer exames de imagiologia. Em resumo: nunca parámos de continuar ligados aos nossos utentes. Muito em especial aos que tem um estado de saúde mais frágil. Este é e sempre foi o nosso compromisso: não deixar ninguém para trás. E penso que conseguimos.

 

Como classifica a estratégia adotada pelo CHMT, no que respeita à Covid-19?

A resposta do CHMT à pandemia provocada pelo coronavírus foi ao nível do melhor que se fez no país. Não tenho dúvidas disso. Não preciso que nos digam isso, ainda que em diversos momentos muitos responsáveis já o reconheceram. Tivemos no CHMT todas as cadeias de televisão do país para saberem como fizemos. Ajudamos vários hospitais. Demos o exemplo em vários aspetos. Como foi possível? Pelos excelentes profissionais desta Casa, pelo espírito de equipa que caracteriza quem trabalha no CHMT e, também, pela tal capacidade de antecipar respostas a problemas com os quais vamos ser confrontados. Daí, por exemplo, o CHMT não ter tido ruturas de material durante esta pandemia. E termos, até, cedido material a outros hospitais num espírito de entreajuda que caracteriza o nosso Serviço Nacional de Saúde.

 

Quer isso dizer que, em termos de equipamentos de proteção individual, o CHMT tem respondido às necessidades? Porque há relatos de falta de material, nomeadamente em termos de máscaras para os profissionais.

Como lhe referi, o CHMT não teve rutura de stocks. Respeitamos, sempre, as orientações das Autoridades de Saúde. Implementámos sempre as medidas que a cada momento nos pareceram mais adequadas às diversas situações. Mas há sempre pessoas com medo. É legítimo. Soube de apelos no Facebook que só deixou mal quem os fez. Fizemos [CHMT] um apelo público para não corresponderem a esse tido de apelos. Há sempre alguém – como diz a canção – que procura cinco minutos de fama.

 

Está prevista a testagem dos profissionais do CHMT, incluindo assistentes operacionais, técnicos e outros?

A testagem de profissionais de saúde está prevista nos protocolos de resposta à pandemia. É uma rotina que se aplica sempre que há razões para isso.

 

Houve também recentemente uma reformulação em alguns cargos no CHMT, como foi o caso da direção do serviço de urgência da unidade de Abrantes. Porquê estas mudanças?

Há uma nova orientação que foi muito ditada por estarmos a entrar em estado de alerta com o aproximar de uma pandemia.

 

(DR Edição: Jornal de Abrantes) 

 

Perante esta situação toda, quais são as expectativas para estes anos que se seguem?

As expectativas são trabalhar e trabalhar e trabalhar. Mesmo para um católico como eu, creio que nada cai do céu sem nos esforçarmos.

(…)

Esta pandemia não pode ficar para a história das nossas vidas como algo só trágico. Onde tantos e tantos perderam a vida por este mundo fora. Esta pandemia tem que nos conseguir fazer pensar a vida de outra forma. Mais respeito pelo ambiente. Mais respeito pelos profissionais de Saúde, onde tantos perderam a vida para salvar a vida dos outros. Mais respeito, assim, por um sector onde o trabalho é física e emocionalmente muito exigente. No fundo, esta pandemia tem que nos ensinar a ter mais respeito pelos outros e perceber que os outros são essenciais para a nossa vida e para a vida de todos aqueles que amamos neste mundo. Se não aprendermos nada com tudo isto, então milhares de pessoas morreram em vão.

Mas o futuro é o único caminho que temos todos. E por isso, o CHMT continuará a evoluir. Continuará a ser um Centro Hospitalar magnífico e com um enorme potencial. Continuaremos a ser das Instituições que mais evoluiu nos últimos anos e isso não sou eu que o digo – é o próprio Ministério que o diz. Hoje há um enorme respeito no meio hospitalar pelo CHMT. E isso não é por nada de novo ter acontecido. Pois o CHMT sempre teve excelentes profissionais. Com uma enorme competência técnica, clínica. A diferença é que hoje o CHMT tem uma estratégia de gestão coerente, desafiadora em relação ao futuro e tem projetos sólidos e excelentes resultados que traduzem o esforço coletivo de todos os que aqui trabalham.  

 

Entrevista: Ana Rita Cristóvão