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Sociedade

REPORTAGEM: 37 cadetes gritaram bem alto: “Juro, como Português e como militar…” (C/ ÁUDIO E FOTOS)

22/08/2020 às 15:00
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A cerimónia tinha o peso institucional e emocional como tantas outras que ao longo de muitos anos aconteceram na Parada Chaimite do Quartel Militar de Abrantes. Seguramente que sim. Mas esta, de sexta-feira, 22 de agosto, teve um peso diferente para os militares que aqui desempenham a sua missão.

Primeiro, porque desde 2014 (ainda como Escola Prática e Cavalaria) que o Quartel de Abrantes não recebia um curso de formação de cadetes, ou seja, uma recruta para futuros oficiais. Como seria de esperar as chefias, finalizada a cerimónia, denotavam as emoções desta cerimónia, sem dúvida, importante para o RAME. Os 37 futuros oficiais, 14 femininos e 23 masculinos, puderam sentir o peso do juramento perante o Estandarte Nacional, momento que tem um peso imenso na vida de um militar.

Segundo, uma cerimónia desta importância para um Regimento que sempre primou pela ligação à sociedade civil ser feito “à porta fechada” torna-o diferente. As medidas de contenção da COVID-19 do Exército obrigam a uma redução drástica daquilo que é a participação civil, e até militar, nestas cerimónias. Apenas os dois pelotões dos recrutas estavam na parada, uma tribuna com uma dezena de convidados militares e apenas um ou dois convidados por cada cadete que jurou bandeira. Acresce ainda o facto de todos eles, recrutas e oficiais, terem de estar com máscara, necessária dentro das instalações militares.

Retirando estes dois fatores a cerimónia foi idêntica a tantas outras, com os passos necessários. A presidir esteve o comandante das Forças Terrestres, o Tenente-General António Martins Pereira, juntamente com o comandante do RAME, Luís Fernando Barroso, e o segundo comandante do RAME, António Ferreira.

Entre a formatura dos cadetes e a integração do Estandarte Nacional os militares entoaram com força na voz o Hino Nacional e o comandante das Forças Terrestres impôs condecorações a três militares: ao Tenente-Coronel de Material Joel Santos, ao Tenente-Coronel de Artilharia Sandro Gonçalves e ao segundo Sargento de Cavalaria Dmytro Pryshcepa.

Depois os familiares do soldado cadete Miguel Sequeira foram chamados para fazer a entrega de uma placa e diploma por ter tido a melhor avaliação do curso da recruta, 17,85 valores.

O Sargento Claro, Sargento-Chefe da unidade militar de Abrantes leu os deveres do militar, um dos momentos em que os familiares sentem o peso que os jovens têm nos ombros, quando vestem a farda do Exército.

Logo de seguida, com o Estandarte Nacional bem elevado, o segundo comandante do RAME, Tenente-Coronel António Ferreira leu, com voz firme e potente, o juramento que os 37 soldados cadetes repetiram com a carga emocional e institucional que os faz gritar de “pulmões bem abertos” perante os superiores e perante os familiares que de telemóveis em riste registavam o momento “para mais tarde recordar” ou para, neste caso, mostrar aos familiares que não puderam assistir. Aliás, as chamadas de vídeo foram, nesta manhã, uma constante pela plateia. E quando foi “sugerido” que os civis desligassem os telemóveis, para não perturbar a cerimónia, aqui e ali percebeu-se algum desalento de quem estava “lá longe”, do outro lado do aparelho, por não poder acompanhar o momento.

Juramento de Bandeira dos cadetes 

O Tenente-General António Martins Pereira dirigiu-se a todos os presentes com palavras destinadas familiares dos jovens. É que é na família que deve existir o apoio e conforto dos militares, em formação ou em exercício de funções. É a família o grande suporte daquilo que é uma vida regrada e com muitas privações que, eventualmente, os civis não têm. Desse modo o comandante das Forças Terrestres portuguesas deixou essa nota.

E depois para os 37 soldados cadetes presentes na parada de Abrantes que acabaram de fazer a instrução básica de entrada na vida militar. E depois vincou que, como futuros oficiais, têm ainda pela frente uma formação complementar em liderança, já que estes são os futuros oficiais que vão assumir posições de comando no Exército português. O Tenente-General vincou esta primeira fase com aquilo que foi o apuramento das perícias e capacidade físicas para continuarem a formação que se segue.

Discurso do Comandante das Forças Terrestres

Depois, aconteceu a desmobilização, neste dia sem a presença da Banda do Exército e sem o desfile das tropas em parada. Uma desmobilização simples para que os novos soldados cadetes pudessem recolher às instalações antes de se poderem juntar à família para outros momentos com carga emocional forte. Quando os pais abraçam os filhos que acabaram de fazer o Juramento perante a Pátria.

Sargento Claro lê os Deveres dos militares

Tânia Oliveira e Rui Silva são dois soldados cadetes que tiveram o 21 de agosto de 2020 como um marco na sua vida. Ambos licenciados em Educação Física resolveram abraçar a vida militar.

A Tânia diz que este momento concretizou-se porque era “um sonho de criança” a que se juntou um “mundo lá fora complicado”. À Antena Livre diz que este momento da formação, mais físico, é mais fácil para quem vem da área, mas ressalva que estas semanas foram melhores que aquilo que inicialmente pensava. Quando decidiu vir para o Exército explicou que a família, que sempre a apoiou, teve reações distintas, entre apreensão da mãe e o orgulho do pai. Tânia Oliveira espera continuar a sua carreira na área militar, de preferência na sua área de formação que é a parte de Educação Física.

Rui Silva, outro dos soldados cadetes também desta área de Educação Física, revelou que entrou nesta vida militar pelo desafio pessoal, pela aquisição de novas competências. Quando decidiu ingressar no Exército diz que na família houve admiração pela sua escolha, porque era algo que nunca tinha falado em casa, “mas tive muito apoio até ao final da instrução”.

Agora, para a frente, é apontar os deveres militares “respeitar a instituição, honrar o país e cumprir com honra e afinco os nossos deveres”.

O dia de ambos começou à hora normal, mas foram os minutos mais longos desde que começou a formação. “Foi uma concentração de nervos até à hora da cerimónia”, explica o Rui enquanto a Tânia destaca que a presença da família no quartel é como os fins de semana, quando vai a casa.

A pandemia obrigou a que muitos familiares que teriam intenção de assistir tivessem de ficar em casa, mas haverá, seguramente, muitas fotos e vídeos para mostrar o momento.

Soldados-Cadetes Tânia Oliveira e Rui Silva

Dos 37 soldados cadetes 14 são femininos e 23 masculinos. Há licenciados nas mais variadas áreas, desde a Educação Física, ao Direito, Economia ou Psicologia. São estes os oficiais de amanhã do Exército português. E é este um dos motivos que deixou o comando do RAME de peito e coração cheios. O RAME foi escolhido para fazer a formação dos jovens. Pela primeira vez teve um turno de formação de oficiais o que demonstra a qualidade dos militares formadores na instituição.

Aliás, o Coronel Luís Fernando Barroso, comandante do RAME, já tinha explicado em finais de julho deste ano que este curso representava muito para a instituição. Era o primeiro do género na unidade. É que o RAME para lá das funções orgânicas que tem no Exército funciona ainda como escola de formação de soldados.

Coronel Luís Fernando Barroso, Comandante do RAME

O Quartel de Abrantes começou com a infantaria em 1918

Em 1842 é criado o Regimento de Granadeiros da que em 1855 passa a ter a designação de Regimento de Infantaria n.º 2.

Em 1918 dá-se a transferência do RI 2 de Lisboa para Abrantes. Em 1955 um agrupamento tático do RI2, com um efetivo de 4 000 homens é integrado na 3.ª Divisão portuguesa da NATO e entre os anos de 1961 a 1975 o RI2 incorpora, treina e mobiliza um total de 52.000 homens para os diversos teatros de operações da Guerra do Ultramar, os quais formam 63 batalhões, 30 companhias independentes e 82 pelotões de apoio.

Em 1977 o RI2 passa a denominar-se Regimento de Infantaria de Abrantes (RIA), assumindo a responsabilidade de organizar, treinar e manter o 2.º Batalhão de Infantaria Motorizada (2.º BIMoto) da nova 1.ª Brigada Mista Independente que substitui a 3.ª Divisão NATO.

Já em 1993 o RIA readota a designação tradicional de RI2. O 2.º BIMoto é transformado no 2.º Batalhão de Infantaria Mecanizada e em 1999 assume a função de Centro de Instrução Geral para praças voluntárias e contratadas.

Em 2006, numa profunda remodelação do exército o RI2 é extinto e nas suas instalações, foi instalada EPC - Escola Prática de Cavalaria que saiu de Santarém.

Em 1 de novembro de 2016 há nova reestruturação das forças militares, a EPC passa para a unidade de escolas práticas em Mafra e em Abrantes, no Quartel de S. Lourenço, nasce o RAME – Regimento de Apoio Militar de Emergência. Trata-se de uma nova unidade orgânica, até então inexistente no Exército, e que tem como missão, tal como o nome o diz, o apoio militar a situações de emergência militares ou civis.

Ao longo destes anos o apoio do RAME foi notado mais na ajuda e patrulhamento da floresta portuguesa, em estreita colaboração com o Serviço Nacional de Emergência e Proteção Civil. Este ano de 2020, contudo o RAME ganhou outro tipo de contornos uma vez que é o comando alternativo do dispositivo nacional do Exército na prevenção e mitigação da COVID-19. É em Abrantes que está o centro de comando das operações do RAME em território nacional. E é em Abrantes, no centro de comando do Quartel de S. Lourenço, que é definida a estratégia, comando e acompanhamento das forças envolvidas nas diferentes operações. O RAME ganha mais peso porquanto a aquisição e equipamento necessário às suas funções pode vir, no futuro, a dar outras missões a estes militares que assentam grande parte das operações em ações de apoio civis.

Texto de Jerónimo Belo Jorge

Fotos de Taras Dudnyck