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Sociedade

Chãos um caso de desenvolvimento comunitário

24/08/2018 às 00:00
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Num tempo em que tanto se fala de desenvolvimento do interior, é oportuno espreitar o que outros fazem. Sobretudo quando há resultados visíveis. O ponto de partida é simples: como é que o Rancho Folclórico de Chãos (Alcobertas, Rio Maior) se tornou num agente de desenvolvimento local? e com que resultados?

Tudo começou em 1984, quando o professor do primeiro ciclo de Chãos perguntou aos jovens o que queriam fazer. Teatro, foi a resposta. E por aí se começou. O teatro acabou por encalhar e foi suplantado pelo projeto de restaurar o velho rancho folclórico. “Não sabíamos como fazer, mas aprendemos”. Fazer recolha, ensaiar, representar… E foram para o terreno à procura. Estavam então envolvidos mais de 20 jovens, que se organizaram como “associação informal”.

Júlio Ricardo, o professor de então, hoje com 59 anos, é quem nos conta a história. Pertence ao Movimento da Escola Moderna, que defende pedagogias ativas, e sabia que o essencial é ajudar ao processo de aprendizagem. No caso, mediar – e não liderar – o processo de aprendizagem do desenvolvimento coletivo. E assim tem feito. Por isso insiste que o foco do processo é a população local e não ele, o mediador ou facilitador desta aprendizagem coletiva.

Passados quase 35 anos, qual é o resultado da dinâmica então iniciada?

Chãos tem um restaurante com capacidade até 120 refeições, que serve pratos da região com base em produtos locais. Um rebanho de 180 cabras, que é hoje um projeto de “silvo-pastorícia e ambiente” associado a investigação científica, e que trabalha o território da Serra dos Candeeiros, gerindo o coberto vegetal, estrumando o solo, e dele resulta o leite e uma produção de queijo com marca própria. Uma unidade de turismo-natureza, que torna acessíveis os mistérios da Serra, por “caminhos que nós próprios marcámos”. Um centro de alojamento com 36 camas que começou por dar apoio aos intercâmbios, do Rancho mas não só, e hoje dá apoio ao serviço de turismo. Uma central meleira, que reúne a produção de 80 apicultores, 20% dos quais lhe confia a distribuição. E uma oficina de tecelagem com 6 teares, onde “todas as mulheres da aldeia com menos de 50 anos aprenderam a tecer”. Além de projectos pontuais, como sempre acontece nestas coisas.

Júlio Ricardo

A aldeia, hoje com 130 habitantes, “resistiu ao abandono, até chegou a crescer, mas está agora a inverter o processo com os jovens que fizeram o secundário e a universidade a não pensarem o seu futuro aqui. Mesmo assim, em 2017 nasceram em Chãos 5 crianças”, explica Júlio Ricardo.

Como é que se mantém todo este sistema a funcionar? Com 9 profissionais a tempo inteiro, que foram recrutados no local e passaram por um processo de formação e “muito trabalho voluntário”.

Voltamos atrás, para perceber o processo. “Quando os jovens começaram a fazer recolhas para o Rancho, pensou-se em fazer um museu. Mas não queríamos um museu parado. Por isso pensámos num espaço que fosse mostra e restaurante. Assim nasceu o Centro Cultural.” Um casamento entre o trabalho cultural e o desenvolvimento da economia local. Depois, para apoio aos intercâmbios, fez-se o centro de alojamento, que continua em funções. E foram dando passos curtos e à medida.

Por exemplo a aposta no ambiente. “Começou com a ideia de ir ver como estava uma gruta de que os jovens falavam. Começámos por limpá-la. Além disso, o rebanho pôs-nos em contato com a Serra, a sua fauna e flora”, e assim de seu o salto para o turismo-natureza.

“Nas saídas do Rancho, pudemos ir a França e contactar com associações que tinham projetos semelhantes. Aprendemos com eles que era possível.” Se é possível, nós também podemos.

Em 2001 foi dado um salto maior com a criação da Cooperativa Terra Chã. Trata-se de uma empresa, mas com uma matriz solidária. “O nosso objetivo não é o lucro pessoal, mas investir no desenvolvimento da aldeia e nas pessoas.” Quanto ao Rancho, “continua, hoje com elementos do grupo inicial, com filhos destes e até netos.”

E quanto à população? “Não há uma família que tenha ficado de fora do processo.” O que não significa que tudo tenha sido tipo Deus com os anjos. “Até porque eu defendo o conflito cognitivo. É necessário discutir os assuntos e perceber em que concordamos e em que não concordamos. Fugir dos desacordos não resolve problema nenhum, só os disfarça. Importante é irmos aprendendo e, assim, construindo um percurso comum.”

De tudo isto, a grande lição é que “é possível transformar a vida das aldeias. Muitas vezes fala-se em mudança. Mas a mudança não chega. É preciso um processo de transformação. Aqui, as pessoas passaram da agricultura de subsistência para o setor dos serviços, por exemplo no restaurante e no turismo-natureza. Isso implica uma grande transformação das pessoas.” A formação, formal e informal, é uma das ferramentas decisivas.

José Alves Jana