Reportagem «O novo centro histórico de Abrantes é Alferrarede»
Ante o declínio do comércio no centro histórico de Abrantes, três jovens abrantinos, com dois empreendimentos, sentaram-se para falar dos seus negócios e desafios perante esta situação.
No centro histórico de Abrantes, às 16 horas da tarde e com o calor a apertar, na rua Nossa Senhora da Conceição encontra-se um cantinho muito tradicional português. Com uma esplanada pequena, numa mesa à esquerda, sentados ainda com os aventais vestidos, estavam os donos a conversar com alguns amigos/clientes na hora “morta”.
Levantam-se, caminham pelo corredor entre as mesas e sentam-se num banco ao fundo, junto à barra, para começar a relatar a sua história. Adriana Antunes, de 23 anos, dona da casa Concelho de Abrantes, começa por explicar o seu trabalho dentro desta família: “já trabalhei neste ramo, a minha mãe teve cafés com alguma restauração, não teve restaurantes, mas trabalhou também a vida toda neste ramo, gosto de cozinha e também trabalhei num restaurante. É uma profissão que não se faz mal de todo, estou na parte do café e na parte de servir as mesas, não na parte da cozinha, isso deixo para ele. Posso dizer que segui os passos da minha mãe e é bom ela ver que eu estou no lugar onde ela já esteve”.
Por outro lado, Luís Fernandes, de 24 anos, também dono desta casa abrantina e namorado da Adriana, explica que o seu gosto por este trabalho, no seu caso, é genético: “digamos que o meu pai é chefe de cozinha num restaurante em Santiago do Cacém, também já esteve em Paris e noutros lugares de Europa e foi quase um legado e herança que acabei por explorar, que é tão minha, na qual nasci e que tenho tanto amor por ela”.
O café restaurante Concelho de Abrantes é um local cheio de paixão e esforço pelo trabalho que ali se faz. “Tentamos unificar um conjunto de situações e de elementos, nomeadamente tentar criar uma coisa enquanto casal, algo que nos unisse. Há uns meses, abrimos a 1 de novembro, estávamos a trabalhar para outra empresa e a passar muito tempo fora de casa. Enquanto casal, se calhar não nos víamos tanto ou não estávamos tão presentes no nosso quotidiano e tentamos entrelaçar aqui dois conceitos que é, o casal, passar mais tempo juntos, conviver ainda mais, e não só, fazer renascer um centro histórico pelo qual temos lutado e tentado levantar nos últimos meses”, assim, surgiu esta casa tão abrantina, quanto portuguesa.
Sendo tão jovens, encontraram muitos desafios até ver a sua visão concretizada pois “o processo disto nunca é fácil, é feito de desafios, desafios entre os quais pessoais, profissionais. Uma mudança é sempre uma mudança, é recomeçar do zero e tivemos vários entraves, enfim, desafios internos. Logo nas primeiras semanas estivemos privados de eletricidade, andámos aqui três semanas a limpar o espaço com o esfregão numa mão e a lanterna na outra. Era um espaço que estava bastante mal tratado pelos ex-inquilinos. Também tivemos problemas com o quadro elétrico, que ainda se arrastam até hoje, e no dia da inauguração tivemos uma pequena inundação porque a fossa estava entupida. Todavia, tentamos ficar cá a explorar o espaço, fazer o nosso futuro aqui, tentamos ficar com os fornecedores que já estavam aqui desde o antigo espaço, não deixando ninguém lesado e, acima de tudo, renovar e realçar este espaço e o centro histórico”.
Nos olhos deste jovem casal, não só há paixão pelo trabalho mas também existe um grande amor por Abrantes e o seu centro histórico. “Nós dizemos aqui que somos um bocadinho embaixadores do próprio centro, mas também de todo o município, de todo o concelho, e falamos de concelho porque o concelho de Abrantes não se cinge apenas à cidade de Abrantes, mas muitos outros lugares e aldeias, portanto, não nos podemos esquecer do concelho como um todo. Aqui representamos essas várias bandeiras que compõem o nosso concelho, enfim, desde termos vinho do Tramagal, desde termos um queijo de ali, outro produto de lá, é um produto do nosso conselho, representando as nossas marcas”.
Ao sair desta rua e começarmos a descer em direção à estrada principal, a meio caminho, encontramos a barbearia Clandestina. Com uma vitrina a expor o nome deste projeto, entramos num local muito moderno, único e amplo, com cores claras que refletem tranquilidade. Empreendimento e paixão também de outro jovem abrantino, Eduardo Charneca, de 23 anos, que com um sorriso e uma boa chávena de café, começou a relatar como há quase dois anos abriu este espaço. “Esta ideia surgiu do facto de eu já ter estado a trabalhar em outra barbearia, a Partime. Entretanto, estou na faculdade a tirar a licenciatura em Comunicação Empresarial e na altura fez sentido para mim lançar-me e fazer um projeto sozinho. Saí então dessa barbearia e abri esta. Aproveitei a altura do COVID, da quarentena e do confinamento para ir projetando as minhas coisas para depois, quando desconfinassemos, eu conseguir abrir”. Eduardo trabalha atualmente junto a outras duas pessoas, o seu cunhado Fábio Pinto, que é o seu sócio desde o primeiro dia, e o seu melhor amigo, Pedro Fontinha.
Tal como Adriana e Luís, Eduardo tem encontrado bastantes obstáculos e desafios ao longo deste caminho. “Não foi fácil. Há muitas coisas, muitas burocracias, especialmente na Câmara, que não são fáceis de trabalhar, coisas que é preciso pedir, coisas que é preciso fazer e isso acabou por não ajudar muito, mas fez-se. Este local foi pensado porque eu queria uma rua onde passassem carros e queria uma rua no Centro Histórico. Uma rua onde passassem carros porque é uma rua onde as pessoas têm visibilidade, as pessoas passam e veem uma rua visível e, por outro lado, há mais movimento do que as ruas onde não passam carros. Havia algumas opções, esta era uma delas e acabámos por ficar aqui”.
A falta de movimento no centro histórico de Abrantes
Ambos os locais encontram o mesmo problema no seu dia a dia: “a falta de movimento e investimento no centro histórico de Abrantes”. Este é um dos principais problemas no centro histórico da cidade, onde até para os comerciantes que há anos se encontram aqui abertos continua a ser, ainda hoje, um desafio. Mas falando especificamente nos jovens abrantinos que querem apostar e trazer novas ideias e inovação à cidade, é de facto uma grande dificuldade. E o café restaurante Concelho de Abrantes vive muito esta realidade: “é desafiante desde o primeiro momento. É um facto que o novo centro histórico de Abrantes é Alferrarede, é onde estão concentrados os grandes pesos da economia local, os supermercados, a zona industrial, os jovens, aqui a nossa ESTA... Neste momento vai ser dada uma última machadada no pouco que resta no centro histórico porque a ESTA vai ser transferida para Alferrarede, um projeto que está bem estruturado e conta com as condições para esses jovens, só que vai ser uma economia ainda mais carente e um centro histórico mais carente de vida, pela ausência destes mesmos jovens. Essa falta de movimento regista-se, nós vemo-lo aqui como ninguém. Se calhar, o exemplo mais claro será ao domingo por sermos talvez a única razão do abrantino ou do turista visitar o centro histórico, para além dos monumentos acessíveis e abertos nesses mesmos domingos. Agora, se formos os únicos a lutar, as pessoas não vêm cá, e o que verificamos é que a um domingo, depois do nosso pico que são as refeições ao almoço, passam-se horas que não há passagem de uma única pessoa pelas ruas, o que realmente é chocante. A adesão do abrantino também à sua própria cidade peca aqui um bocadinho. No carnaval, por exemplo, lançámos uma proposta em que 'se vier almoçar ou jantar mascarado, habilitar-se-á a um jantar ou almoço gratuito' e digamos que essa adesão foi nula, mesmo publicitando por várias semanas”.
Neste sentido, a barbearia Clandestina encontra-se com o mesmo entrave. Diz Eduardo Charneca que “não há tanto movimento assim como eu gostaria que houvesse, mesmo durante o dia, ou seja, a partir das 19 horas, durante a semana, deixa de haver pessoas. Ao fim de semana então só há pessoas ao sábado de manhã e é quando há a passear na rua, portanto, tem sido um desafio. O que acontece? Está a ser tudo deslocado para a periferia, para ao longo da Nacional 2 e ali para a zona de Alferrarede e Chainça, o que faz com que as pessoas deixem de vir ao centro histórico. Os pequenos negócios acabam por se sentir bastante e muitas vezes é o caso e as pessoas fecham por isso.”.
A falta de pessoas no centro histórico da cidade de Abrantes é uma preocupação de todos os trabalhadores da zona, onde a maior parte das vezes o que os salva é que têm muitos conhecidos, como no caso do Eduardo. “Como sou de cá, sou de Abrantes, conheço bastantes pessoas e essas pessoas acabaram por me apoiar muito ao início e, felizmente, ainda continuam comigo. Depois, é isso, tentei primar o máximo possível pela pessoa que eu sou e pelo trabalho que eu desempenho”. Ao mesmo tempo, o café restaurante Concelho de Abrantes partilha desta situação. Luís Fernandes refere que “nós beneficiamos, de alguma forma, de já termos aqui alguns conhecimentos, alguns amigos, isso é sempre bom, é uma casa feita de amigos e turistas, mas essa aceitação por parte de muitos abrantinos não foi feita na íntegra. Há aqui um preconceito de idade, mas não só. Um olhar de lado pela inovação que acabamos por trazer a cidade, por termos tantas iniciativas e sentimos um bocadinho essa diferença e de um olhar de lado de alguns abrantinos que não nos veem com tão bons olhos como nós gostaríamos, infelizmente”.
Um dia de cada vez com muita gratidão
Os três empresários sentem uma grande gratidão ao ver o seu projeto crescer dia pós dia, apesar das dificuldades, mas, ao mesmo tempo, veem um futuro muito incerto. “Um dia de cada vez” é a resposta à pergunta de como ou onde se veem daqui a alguns anos.
Ao mesmo tempo, acreditam que existem muitos mais desafios do que vantagens para que os jovens invistam no centro e a única forma de crescer e concretizar projetos neste local é “pelo grande esforço próprio e o amor pela cidade”.
Assim, o proprietário do café restaurante Concelho de Abrantes explica que “os desafios são tantos e tão variados. Nós podemos ver e estamos aqui a assistir ao declínio do centro histórico. Para um jovem, acho que o que poderá salvar a própria Abrantes e o próprio centro, é o acreditar desse jovem. Resume-se a uma palavra que é “amor” pela própria cidade e pelo sítio onde foram criados, pela família”. Já o dono da Clandestina opina que “tudo depende do negócio, há pessoas que nascem para terem um negócio e há outros que não o querem fazer. Eu, como sempre tive vontade de ir para frente, acabo por não ver isto da mesma forma. Há pessoas que desistem no caminho ante as dificuldades. O local, poderá ser complicado de arranjar porque também não há propriamente assim tantas lojas boas no centro histórico, há muitos prédios devolutos, há muitas lojas que estão sempre fechadas. Enquanto a vantagens, honestamente, não há muitas porque não passam pessoas, chega a uma certa hora e a cidade parece uma 'cidade, fantasma' ”.
Num mesmo sentir, todos concordam que o centro histórico de Abrantes está em declive e que faz falta mais apoio e publicidade por parte das pessoas a quem isto corresponde. Assim, no fim, os jovens que estão a trabalhar todos os dias por um novo centro histórico, deixaram uma mensagem bastante marcada: “agora o futuro está nas nossas mãos acima de tudo e o futuro é Abrantes e que peguem no nosso exemplo e que venham para cá, que se instalem cá e que invistam em Abrantes e no nosso centro histórico”.
Jade Garcia