Opinião O que é a ciência polar?
Opinião por José Xavier (cientista polar)
Numa frase simples: é toda a ciência que é feita nas regiões polares, no Ártico (que inclui o Pólo Norte) e a Antártida (que inclui o Pólo Sul). Nas regiões polares a ciência é feita numa grande variedade de áreas, desde a oceanografia, à biologia, à astronomia, à medicina, entre muitas outras, cujas respostas poderão ser úteis à sociedade. E Portugal tem estado envolvido em muitas delas...
Existem particularidades interessantes nestas regiões mais frias do planeta: ambas possuem grandes quantidades de gelo, possuem animais enigmáticos (ursos polares no Ártico e pinguins na Antártida) e ambas têm um papel importante quanto ao aumento do nível do mar devido ao degelo (se partes das regiões polares derretessem teríamos um aumento significativo do nível do mar (certamente > 5 metros).
Existem também diferenças evidentes entre as regiões polares, tais como: o Ártico é um oceano congelado enquanto a Antártida é um continente rodeado por um Oceano (Oceano Antártico), o número de plantas são muito mais no Ártico, os animais terrestes são mais numerosos no Ártico (como o urso polar) enquanto na Antártida não existem (o animal terrestre Antártico é um ácaro/piolho).
Além dos vários recursos que possuem (pesqueiros, minerais, entre outros), o que se estuda cientificamente nas regiões polares possuem importância planetária, daí Portugal possuir cientistas de mais de 15 institutos de investigação de Universidades a investigar questões tais como os animais (como os pinguins) se adaptam às alterações climáticas, o efeito da poluição nas regiões polares, quais as mudanças do permafrost (áreas permanentemente geladas), quais as quantidades de dióxido de carbono (e outros gases), qual o papel da educação e comunicação da ciência das regiões polares e como a transferência de conhecimentos científicos poderão ser transferidos para medidas políticas das regiões polares. Recentemente as comunidades científicas reuniam-se para debater quais as grandes questões científicas que precisam de ser abordadas nos próximos 20 anos, quer no Ártico (Exercício ICARP III) quer na Antártida (Exercício SCAR Horizon Scan), onde estas áreas que Portugal também investiga estão a ser desenvolvidas.
Portugal e/ou os seus cientistas têm também tido um papel nas várias organizações internacionais ligadas às regiões polares: organizações científicas (ex. International Arctic Science Committee – IASC e Scientific Committee on Antarctic Research – SCAR), organizações de jovens cientistas (ex. Association of Polar Early Career Sceintists – APECS), organizações educativas (ex. Polar Educators International – PEI) e em organizações de gestão (ex. Antarctic Treaty System). Num contexto onde a ciência realizada nas regiões polares é extramente dispendiosa, existem numerosas colaborações internacionais, abordando importantes questões científicas de um modo interdisciplinar com apoio de vários países, o que torna a nossa ciência mais atraente, mas também com mais impacto e com reduzidos custos.
A ciência polar é um grande desafio por estarmos a realizar ciência em zonas mais remostas do planeta... mas também é um verdadeiro privilégio. Ambas as regiões são lindíssimas, com icebergues gigantes, com animais como os pinguins e ursos polares que nunca viram seres humanos, as expedições podem durar muitos meses, o equipamento científico usado é da mais recente tecnologia e a segurança enquanto lá estamos é levada ao extremo (por exemplo o hospital mais próximo onde costumo ir na Antártida fica a 1000 km de distância). Uma expedição poderá demorar anos a planear. De momento, com as grandes mudanças ambientais que temos registado nas regiões polares, aquilo que estudamos lá está a ser de muito relevância também ao nível educacional. Numerosos cientistas polares portugueses têm ido às escolas de todo o Portugal, todos os anos, a mostrar a importância das regiões polares para o planeta, como é ser cientista polar em Portugal e o que fazemos cientificamente. Mais importante, pretende-se inspirar a futura geração de jovens cientistas para os grandes desafios que aí vêm. E a ciência polar pode ajudar...