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Mouriscas Barragem do Negrelinho foi «inaugurada» há 30 anos (c/áudio)

6/06/2023 às 10:00
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Dia 6 de junho de 1993. Cerca das 18 horas, a população de Mouriscas juntou-se junto à Barragem do Negrelinho, para inaugurar uma obra que tinha começado 16 anos antes, em 1977. A água, que vem por gravidade das proximidades de Queixoperra, concelho de Mação, demorou, mas acabou por chegar e “arrancou uma salva de palmas” dos presentes. Alguns dos quais nunca acreditaram ser possível a água correr por uma conduta de 7 quilómetros, por covas e cabeços, totalmente por gravidade, numa obra de engenharia ímpar.

A barragem, totalmente artificial, fora de qualquer linha de água ou ribeira tem uma largura de 500 metros, uma extensão de coroamento de 730 metros e uma capacidade de armazenamento de 1 milhão de metros cúbicos de água, com a Cota do Nível Pleno de Armazenamento (NPA) nos 202,50 metros, o que perfaz a Capacidade Útil de Armazenamento de 750000 m3.

A Antena Livre solicitou alguns dados junto dos Serviços Municipalizados de Abrantes (SMA) sendo que, atualmente (final de maio de 2023) o volume total de água armazenada é 900000 m3, numa cota de 201,50 metros, o que perfaz a Capacidade Útil Armazenada de 650000 m3.

A captação é feita a 7 km de distância, na Queixoperra (concelho de Mação) e o transporte, de 1,116 m³ por hora, é feito por gravidade.

Ainda de acordo com os SMA existem 1.210 clientes ativos a ser abastecidos a partir do Negrelinho. A média do volume de água saído da barragem é de cerca de 12.400 m3 / mês (dados de 2023 desde o início do ano).

A Barragem do Negrelinho abastece a totalidade da freguesia de Mouriscas: Mouriscas; Casal das Mansas; Carvalheiros; Entre Serras; e Lercas, num total de 1.480 habitantes, de acordo com os Censos de 2021.

De notar que os SMA reforçaram o abastecimento à Concavada, através de uma pequena conduta a passar a ponte sobre o Tejo, mas há mais de 5 anos que não é utilizada.

Foto: Google Earth

 "...quando a água começou a correr houve uma salva de palmas."

Humberto Lopes lançou a obra com presidente da Junta de Freguesia de Mouriscas e inaugurou-a como presidente da Câmara de Abrantes em 1993.

30 anos depois, o ex-autarca recorda esse dia 6 de junho, quando as pessoas (mesmo os que não acreditavam) assistiram à chegada da água da ribeira da Queixoperra à barragem de Mouriscas, que demourou mais de um mês até ficar cheia.

Entrevista por Jerónimo Belo Jorge

O abastecimento de água a Mouriscas era um anseio da população. Até ali havia problemas com o abastecimento, havia horas em que as torneiras estavam secas. Havia a expetativa de resolver esses problemas com uma barragem que demorou 16 anos a ficar pronta. Desse 6 de junho de 1993, recorda-se do momento da inauguração?

O que começou a funcionar nessa data foi o canal que transporta a água desde a ribeira, a nascente da Queixoperra (concelho de Mação), até à barragem. Essa conduta tem 7,5 km’s. Havia muita gente que não acreditava que a água chegasse à barragem...

 

... porque é transportada apenas por gravidade?

Vem toda por gravidade, não há qualquer consumo de energia no transporte. A cota entre a captação na ribeira e a saída da conduta, na barragem, é superior a 7,5 metros [NdR: de acordo com os dados da época o desnível era de 10,14 metros], qualquer coisa como 1 milímetro por metro. Mas é preciso perceber que a conduta segue o relevo do terreno e sendo que nunca pode a conduta ultrapassar a cota de entrada da água. A água vem numa conduta fechada, sobe e desce declives acentuados e muitas pessoas não acreditavam ser possível, porque estava, habituadas ao desnível dos regos das hortas, onde a água corria livremente. Foi um dia muito importante que nos reunimos junto à saída da conduta e quando a água começou a correr houve uma salva de palmas.

 

Antes o abastecimento era feito por furos?

Já havia abastecimento público, mas com muitos problemas. O primeiro ponto de abastecimento foi a partir da Serra das Lercas [água que atualmente abastece em exclusivo a Fonte dos Amores], mas não chegava. Havia um poço no Poçarrão e vários furos. Mas era insuficiente e só havia algumas horas do dia. O funcionário dos Serviços Municipalizados avisava as pessoas dos horários para que, antes de “fecharem a água”, pudesse encher tanques, bilhas ou baldes para depois poderem utilizar nos horários “secos”.

 

Nessa inauguração esteve o Governador Civil, na altura José Luís Ribeiro dos Santos?

A iniciativa partiu do presidente da Junta de Freguesia, à altura João Valente, que convidou a Câmara e o Governador Civil. Havia uma comparticipação do Estado no financiamento da obra e, por uma questão de deferência, era importante que alguém em nome do governo pudesse falar às pessoas.

 

E o presidente da Câmara, Humberto Lopes, o que é que disse? Recorda-se?

Não. Devo ter destacado a importância da obra para a freguesia de Mouriscas e devo ter agradecido ao Estado. Repare, a obra tinha começado em fevereiro de 1977, tinha eu acabado de tomar posse como presidente da Junta de Freguesia de Mouriscas.

 

1977 a 1993 “é uma vida”?

16/17 anos. E porquê? A barragem não tem captação de água. Aquilo foi aproveitar o vale e aproveitou-se a terra para fazer o “paredão” que, em terra, é difícil de construir. Não pode ter nada que possa provocar uma fissura. Tem de ser bem compactada. A terra era frequentemente analisada para evitar desmoronamentos. O problema teve a ver com disponibilidade dos terrenos para atravessar a conduta. A barragem foi muito rápida. Os Serviços Municipalizados trataram dos terrenos, em fevereiro foi lançada, em março já havia obra e terminou em final de 78 ou início de 79. Mas depois era preciso construir os 7 km’s da conduta. Desses 7,5 km’s só se conseguiu fazer 500 metros, logo à saída da barragem. Eram os terrenos que estavam disponíveis. Depois não estavam disponíveis. Foram centenas de proprietários a contactar em Mouriscas e, para complicar mais, muitos também no concelho de Mação. E, note-se, na altura ainda havia hortas ao longo da ribeira que eram regadas pela água da ribeira, e as pessoas não queriam perder essa rega. Tanto que baixamos o diâmetro da conduta. Em vez de 28 dias, a barragem teria possibilidade de ficar cheia em 33 ou 34 dias. Mas era sempre um enchimento a realizar no inverno.

 

O que é que desbloqueou esta situação 10 a 11 anos depois da “paragem”?

Em janeiro de 1990 a empresa, Construtora do Lena, tinha colocado os Serviços Municipalizados em Tribunal porque tinham um contrato que não foi cumprido. Por isso a empresa exigia e indemnização correspondente ao valor que não tinha feito. Fomos a Tribunal e chegámos a um acordo. A Construtora apresentaria o valor do custo da obra a preços de 1990. Ou seja, em 1977 a barragem tinha um custo de 17/18 mil contos e em 1990, só a conduta passou para 300 mil contos (1,5 Milhões de euros).

 

E os terrenos já estavam desbloqueados?

Nas Mouriscas tratámos de tudo e em Mação tivemos de ir falar com o presidente Elvino Pombo. Foi necessário fazer reuniões com os proprietários na Câmara de Mação. Mas começou a obra. Ainda tivemos um ou dois problemas em tribunal com proprietários vizinhos dos locais onde passou a conduta. Nalguns locais tivemos de recorrer a fogo para rebentar rocha e alguns pedaços rebolaram para as propriedades nos vales. Mas conseguimos resolver uma obra difícil, cara e que está enterrada.

Percurso da conduta entre Qeixoperra e Mouriscas (Imagem Google Earth) 

A barragem começou em 1977, mas tanto quando sei os projetos são muito anteriores?

A primeira captação, na Serra das Lercas e que atualmente vai para a Fonte dos Amores, dever ser da década de 50 do século passado. Recordo-se de terem feito os levantamentos topográficos para o abastecimento. Em 1975 havia uma corrente na freguesia queria a água captada no Rio Tejo, como no Taínho. Ou seja, uns furos feitos nas proximidades do Tejo, e depois a água era elevada para ser distribuída. Felizmente essa opção não foi avante. E não foi avante porque surgiu este projeto que foi oferecido aos Serviços Municipalizados de Abrantes pelo falecido Engenheiro Jerónimo Leitão. Era engenheiro-agrónomo e especialista em construção de barragens. É um projeto com algum arrojo por causa da conduta. Não terá sido fácil projetar a conduta através de floresta e por gravidade. Não sei mesmo, se no concelho de Abrantes, alguma vez foi feita uma obra desta envergadura. Talvez este projeto atual do abastecimento de todo o concelho a partir do Castelo de Bode.

 

E a água entrou logo em distribuição, quando a barragem encheu?

Sim, porque a estação de tratamento foi sendo construída no período em que a obra esteve parada por causa da conduta. Quando a barragem encheu foi logo ligada à rede pública.

Entrevista a Humberto Lopes, ex-presidente da Junta de Mouriscas e da Câmara de Abrantes