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Abrantes

Mouriscas homenageou o professor, cientista e matemático Fernando Dias Agudo (C/ÁUDIO E FOTOS)

3/10/2022 às 18:26
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Abílio Margarido e Alberto Grossinho foram os dois mourisquenses que organizaram a homenagem pública ao professor Dias Agudo, como era mais conhecido.

Perante a plateia com académico e colegas de Fernando Roldão Dias Agudo, e muitos amigos da terra, a placa que vai perpetuar a memória do cientista matemático, cujo centenário do nascimento está para breve (novembro de 2025), foi descerrada pela filha Maria Isabel Agudo, pelo vereador do pelouro da Cultura da Câmara de Abrantes, Luís Filipe Dias, e pelo presidente da Junta de Freguesia de Mouriscas, Pedro Matos.

A placa de homenagem a Dias Agudo, que faleceu em 2019, foi colocada na sua casa, no Largo do Espírito Santo, nas Ferrarias, no sábado dia 1 de outubro.

E na sessão, com muitas memórias do professor, cientista e matemático, foi José Aparício dos Reis, único mourisquense ex-aluno de Fernando Dias Agudo que revelou que a melhor forma de homenagear o professor foi encontrar histórias dele.

E começou com uma primeira, revelando-a na primeira pessoa. Há 61 anos três jovens saíram de Mouriscas para estudar no sexto ano em Santarém, no Liceu Sá da Bandeira. Dois tinham os livros e um (José Aparício dos Reis) só tinha meia-pensão da Gulbenkian. “Como só tinha dinheiro para meia pensão tinha de ir à procura de outras soluções. Encontrei o externato Frei Luís de Sousa.” Aos 15 anos encontra o professor Dias Agudo. Havia um professor que quando soube que “eu era das Mouriscas todas as semanas dizia-me ‘não podes deixar mal o Dias Agudo dos 20’. Isso acicatou-me.”

A segunda nota foi quando o professor Dias Agudo “foi meu professor, um dos melhores do mundo. A faculdade de ciência era tradicionalista e conservadora. Os professores de matemática eram pessoas muito difíceis e que não se davam com ninguém. Mas ele era diferente. Descia o elétrico 20, de Oeiras. Havia uma fila de alunos que esperavam, ordeiramente, e entravam depois dele. Eu era a única aula que assistia, porque já trabalhava.

Em junho chumbei com 5 valores. Eu sabia e gostava da matéria. Comprei um livro. Estudei todo o mês de agosto e setembro. Em outubro tive 17. Passei a ser um bom aluno. A partir daí tive sempre 17 e 18 fruto da confiança do professor.”

José Aparício Reis


“Última história, década de 80. Trabalhava a na CP e descobri uma vaga de professor de análise vetorial. Dava 5 horas de aulas à noite. Andei nisto 20 anos. Fui o legado do professor naquela cadeira.”

Depois a professora doutora Maria do Rosário Grossinho, cujos quatro avós são naturais de Mouriscas, recordou o homenageado, do ponto de vista do seu lado de pedagogo e cientista.

O professor Dias Agudo escreveu, pelo menos, quatro manuais na área de matemática. Estes foram livros validados para os primeiros anos da licenciatura em matemática. “Esteve na estrutura que hoje é a Fundação para a Ciência e Tecnologia.”

Depois notou que ao falarmos no trabalho deixado por Dias Agudo “temos de situar tudo no seu tempo. Hoje é fácil falar em ciência [a internet torna tudo muito rápido na investigação]. Naquela altura, do professor, era tudo muito lento.”

E concluiu o desfolhar de memórias com a nota que “Mouriscas também está de parabéns por ter uma pessoa com o mérito do professor Dias Agudo.”

  

Maria do Rosário Grossinho

Na homenagem também foram convidados a Academia das Ciências de Lisboa e a Sociedade Portuguesa de Matemática, estruturas das quais Fernando Roldão Dias Agudo fez parte.

José Francisco Rodrigues, representante da Academia das Ciências de Lisboa vincou ter “de trazer a homenagem da Academia ao professor Dias Agudo.”

E depois começou, também ele, a desfolhar memórias da vida do matemático mourisquense. “Durante 24 anos foi o tesoureiro da Academia de Ciências de Lisboa (1979 – 2003) um cargo muito difícil”. E indicou ainda que o professor era o represente internacional da Academia.

Depois evocou a sua participação e o papel determinante que teve na reedição das obras de Pedro Nunes (cujo 5.º centenário assinalou-se em 2002). Por outro lado, deixou um contributo de peso “para o vocabulário da matemática. Um projeto ainda não acabado, mas muito avançado. Trata-se da edição do vocabulário da matemática, expressões matemáticas de Portugal. A ideia é tornar o dicionário da academia totalmente disponível.”

 

José Francisco Rodrigues

João Filipe Queirós, presente em representação da Sociedade Portuguesa de Matemática explicou que nunca foi aluno do professor Dias Agudo, até porque estudou em Coimbra, mas disse que o professor fez parte da vida académica dele em livro.

Depois contou que “acabei por ter uma ligação ao professor Dias Agudo pela publicação da obra de Pedro Nunes, o mais brilhante cientista português que viveu no século XVI."

“Nos anos 30 criaram uma comissão para editar a obra de Pedro Nunes. O projeto esteve parado mais de 40 anos. E não fosse o professor Dias Agudo este retomar do projeto nunca teria sido possível.”

João Filipe Queirós disse haver um respeito muito grande pelo professor, cientista e académicos, “mas havia um enorme respeito pela pessoa.”

Em 2002 é ele que coordena a reedição das obras de Pedro Nunes, com financiamento da Gulbenkian e com “3 personalidades da Marinha e professores catedráticos da Clássica de Lisboa e de Coimbra. E a faculdade de Ciências de Lisboa convidou o professor Dias Agudo para coordenar este grupo. A comissão realizou 200 reuniões e ele não faltou a nenhuma.”

Há quatro livros editados, faltam dois [um de documentos e outro biográfico]. Mas dos seis volumes previstos da obra do cientista Pedro Nunes quatro estão publicados.

 

João Filipe Queirós

As filhas e a esposa estiveram presentes, mas foi Maria Isabel Agudo, que, em representação da família, agradeceu o gesto e a presença de todos que se associaram à homenagem. “O meu pai era uma pessoa simples e que gostava da nossa terra. Na quarta classe nas Mouriscas teve um professor distinto e que contribuiu para a sua vida na educação”.

 

Maria Isabel Agudo

Pedro Matos, presidente da Junta de Freguesia de Mouriscas, numa intervenção breve, vincou que “este largo fica rico com esta placa, para que a nossa juventude possa ficar conhecer quem foi Fernando Dias Agudo.”

 

Pedro Matos

A Câmara de Abrantes esteve representada por Luís Filipe Dias, vereador com a responsabilidade pelo pelouro da Cultura. O autarca levava um livro de Fernando Roldão Dias Agudo que lhe havia sido oferecido pelo irmão, o jornalista Orlando Dias Agudo. E evocando o matemático e cientistas agradeceu aos organizadores da homenagem. Luís Filipe Dias pegou no livro e leu duas passagens para evocar a vida de Fernando Dias Agudo.

 

Luís Filipe Dias

E deixou ainda um desafio a Mouriscas, à Academia de Ciências de Lisboa e à Sociedade Portuguesa de Matemática: “Daqui a três anos assinala se o centenário do seu nascimento. Se calhar valeria a pena pensar em assinalar essa data."

Luís Filipe Dias

Fernando Roldão Dias Agudo (Biografia)

Nascido em Mouriscas (Abrantes) em 25 de Novembro de 1925, Fernando Roldão Dias Agudo era licenciado em Matemática (Faculdade de Ciências de Lisboa, 1947) e em Engenharia Civil (Instituto Superior Técnico, 1951), e doutor em Ciências Matemáticas (Universidade de Lisboa, 1955). Foi assistente, encarregado de curso, professor ou orientador científico do Instituto Superior de Agronomia (1948 e 1949), Faculdade de Ciências de Lisboa (1951-1975 e desde 1983), Instituto Superior Técnico (1959-1964), Universidade de Lourenço Marques (1970-1972), Universidade Nova de Lisboa (1975-1983), Universidade da Beira Interior (1977-1980 e 1990-1997) e Instituto Superior de Gestão (1997-1999); investigador visitante da Universidade da Califórnia, em Berkeley (1957 e 1958); diretor da equipa-piloto portuguesa que, no âmbito da OCDE, fez o estudo das necessidades de investigação científica e técnica em relação com o desenvolvimento económico e social do País (1966-1968); diretor da Faculdade de Ciências de Lisboa (1973 e 1974); presidente da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (1974-1976) e do Instituto Nacional de Investigação Científica (1980-1983); membro do Conselho Executivo da Fundação Europeia da Ciência (1980-1985) e da sua Comissão Eleitoral (1980-1999); membro da Junta de Directores da Comissão Cultural Luso-Americana (1980-1985) e do Comité de Finanças do Conselho Internacional das Uniões Científicas, ICSU (1987 e 1988). Foi membro de várias sociedades científicas nacionais e estrangeiras, nomeadamente, Sigma XI” (Sociedade Americana para a promoção da investigação científica), “Real Sociedad Matematica Española”, American Association for the Advancement of Science, Sociedade de Geografia de Lisboa, Sociedade Portuguesa de Matemática, “Academia Scientiarum et Artium Europae”, Sociedade Científica da Universidade Católica Portuguesa, Academia das Ciências de Lisboa. Foi professor catedrático jubilado da Faculdade de Ciências de Lisboa. Foi autor de vários livros e numerosos artigos sobre álgebra linear e geometria analítica, cálculo diferencial e integral, equações diferenciais em espaços de Hilbert e também de artigos sobre política científica, alguns para o Conselho da Europa.