Há um mundo, ou melhor, havia um mundo que tinha um governador chamado José Diniz, ou “Zeca” Diniz para a família ou amigos mais próximos.
José Diniz não era dentista, mas arrancava dentes. José Diniz não era bibliotecário, mas andava numa biblioteca itinerante a calcorrear aldeias e vilas à volta de Abrantes. Também não era escritor, mas vivia num outro mundo. Não era político, mas governava o seu mundo, um mundo da fantasia. E é por aqui que José Falcão Tavares entrou ou tentou entrar. E, diga-se, que conheceu o José Diniz sabe que não era fácil entrar nesse mundo, porque o mundo das histórias vinha do José Diniz aos seus interlocutores.
E foi ali, algures no ano de 2010, que José Falcão Tavares começou com as conversas com o José Diniz, um homem que encontrava muitas vezes em Abrantes, nos seus percursos e sempre cheio de coisas para fazer “porque tinha que governar o mundo da fantasia.” E é assim que o autor desfila muitas histórias de um homem que não era, meramente, alguém que andava a distribuir ou emprestar livros. José Diniz quando dava os livros [aos leitores] dava sempre a semente [da leitura].
Não é, por isso, de estranhar que José Luís Peixoto escreve que “este é um livro onde existe o desejo verdadeiro de conhecer o outro, de fazer viver a palavra escrita.” E conclui a escrever: “Não tenho dúvidas de que José Diniz teria gostado muito de ler este livro.” É que o, agora escritor premiado, foi um dos jovens a quem José Diniz, na biblioteca itinerante, deixou a semente que José Falcão Tavares revela no seu livro.
“Muitas pessoas que receberam os livros dele rasgaram os céus das suas vidas e sonharam outros mundos”, disse o autor que logo de seguida disse que o José Diniz era, na família com quem vivia, o Zeca Diniz. Ele acabou o liceu aos 26 anos.
José Falcão Tavares diz que o José Diniz era um homem que via nas ruas de Abrantes sem saber para onde ia ou de onde vinha. Mas revela que ele teve uma vida fantástica e muito variada, de onde vêm as suas histórias. Mas vem também de uma vontade muito grande de criar um mundo novo, um mundo com humor, em que “brincássemos uns com os outros.”
O livro de José Falcão Tavares tem 38 capítulos, ou seja, outras tantas histórias que foram sendo recolhidas em conversas que começaram ali por volta de 2011. Segundo o autor há outras conversas que não puderam ser publicadas por vários motivos.
Ainda sobre o livro, José Falcão Tavares aponta a um trabalho gráfico de grande qualidade e que as palavras nos fazem levar para épocas já passadas e que já não voltam, sobre pessoas que já não estão cá. Mas com um sabor e uma graça “que tenho a honra de ter juntado.”
O José Diniz faleceu em janeiro de 2021 e as recolhas começaram na véspera de Natal de 2011, de forma paulatina. No ano do centenário de Abrantes, 2016, não houve a conversa entre os dois. Este foi um livro, explica o autor, feito a partir da memória. As histórias foram contadas pelo José Diniz e guardadas na memória de José Falcão Tavares. Depois “ia registado depois no meu diário. Mas houve uma altura que tive de dizer-lhe. Eu não tomava nota. Era tudo de memória.”
José Falcão Tavares diz que o seu protagonista nunca suspeitou dessas conversas porque “isso era o mundo dele. Porque ele vivia nesse mundo que governava e que lhe permitia estar ausente do mundo real.”
São vários anos de conversas, muitas conversas. “Devo dizer-lhe que não era a pessoa mais indicada para fazer o livro porque não era sequer amigo dele. Mas fiz o livro porque sou abrantino, bairrista. Porque sou uma pessoa de cultura. Fiquei impressionado pelas histórias que ele contava e acharia uma cobardia, da minha parte, se não fizesse isto. Felizmente fiz. Demorei muito tempo. Para ‘colher’ estas histórias demoraram cinco anos e, depois, mais seis para ter o livro”, explica o autor.
Apesar de nunca ter sido político “era um homem da oposição. Teve a coragem de andar pelo MDP-CDE e até teve dois convites para ir viver para a Rússia. A filha era diabética e até tinham tudo preparado para ela poder ir para um centro de diabéticos que tinham lá (na Rússia).” Mas José Tavares disse que foi uma vez à Rússia e andou, na política, nos tempos de fundação do PRD.
José Falcão Tavares, autor
O autor diz, no entanto, que ainda não é o passo para a imortalização de José Diniz. “Acho que podemos dar ainda mais a esse reino da fantasia.”
O autor revela que este seu livro não vai chegar apenas a pessoas que conviveram com ele ou com a biblioteca. Irá chegar a muitas outras que nem sabem quem ele é. Mas José Falcão Tavares explica que tem tido muitas reações, através da rede social Facebook, de pessoas que tiveram contacto com o José Diniz. Pessoas que através desse contacto mudaram as suas vidas com o “mestre de cerimónias que os fez entrar nesse mundo da fantasia.”
José Tavares diz que José Diniz era muito conversador. E era também um homem que colecionava muito. Chegava a comprar até livros repetidos, tal era sua vontade de juntar mais e mais.
Já sobre a melhor história, José Falcão Tavares, aponta uma a 1963 em que ele “estava à frente do Jornal de Abrantes, o presidente John Kennedy apanha um tiro, morre e o mundo fica em choque. E o único jornal que dá as condolências à família e à América, em Portugal, é o Jornal de Abrantes, pela mão do José Diniz. E isso provocou um tremor de terra em Abrantes e fez vir a Abrantes um inspetor da Pide. Isso está tudo contado e está no livro.”
José Falcão Tavares diz que pode haver mais recolhas porque José Diniz tinha um humor que era humor da época. Era um humor do António Silva e do Ribeirinho.
O autor diz que este foi um ato de amor por Abrantes e reconhecimento pela obra e vida de José Diniz.”
José Falcão Tavares entrevistado pelo jornalista Jerónimo Belo Jorge
José Falcão Tavares diz que pode haver mais recolhas porque José Diniz tinha um humor que era humor da época. Era um humor do António Silva e do Ribeirinho.
"Este foi um ato de amor por Abrantes e reconhecimento pela obra e vida de José Diniz", garante.
BIA "José Diniz" apresentada com nova imagem
A BIA, Biblioteca Móvel de Abrantes, passou a chamar-se Biblioteca Itinerante de Abrantes “José Diniz” depois de deliberação do Executivo Municipal de Abrantes tomada em 23 de fevereiro.
Trata-se, explica a autarquia, de uma homenagem à “figura incontornável da sociedade abrantina, homem da cultura, figura carismática que foi dinamizador da biblioteca itinerante da Fundação Calouste Gulbenkian durante mais de 30 anos, na segunda metade do século XX, falecido a 11 de janeiro de 2021”.
A proposta foi aprovada por unanimidade indo ao encontro da vontade expressa pelo executivo e reforçada pela iniciativa de um grupo de cidadãos, que teve como porta-voz o médico abrantino José Tavares.
Manuel Jorge Valamatos, presidente CM Abrantes
A BIA foi apresentada no dia 12, antes do lançamento do livro “Dinizlandia” com uma imagem renovada e desenvolvida por uma técnica do gabinete de comunicação do Município. E nesta nova imagem, sobressai a cor amarela e as imagens da torre, Castelo, Igreja de S. Vicente ou a Palha de Abrantes.
José Diniz, o homem da Biblioteca 32
José Diniz nasceu em Abrantes em 1933. Entrou no colégio A Broa. Trabalhou como ajudante de protésico, a fazer dentaduras. Em 1948 e 1949 foi monitor regional da BBC.
Em 1961 entrou para a Fundação Calouste Gulbenkian, tendo sido colocado em Mirandela durante 17 meses. Foi ali que conheceu uma leitora com quem casou. Regressou a Abrantes em 1963 para tomar conta da Biblioteca Itinerante n.º 32 onde exerceu funções durante 30 anos, até 1993.
Consta que a sua paixão por livros o terá levado a comprar, uma vez, uma biblioteca.
Ao lado das dos livros junta-se a paixão por aviões e automóveis.
Muitos se lembram ainda da carrinha Citroën da Fundação Calouste Gulbenkian, laranja, e com o número 32. E muitos se lembrarão das sugestões de leitura do José Diniz. E outros ainda das “caroladas” que ele dava a quem não se portava bem dentro da biblioteca móvel.
As viagens do José Diniz começaram em 1963 pelos territórios de Abrantes, Sardoal, Mação, Vila de Rei, Ponte de Sor, Gavião e, mais tarde, Constância. Por exemplo, José Luís Peixoto, de Galveias (Ponte de Sor) e nascido em Abrantes, afirma ser escritor devido à sua influência nos tempos de juventude.
Recorde-se que José Joaquim César da Cruz Diniz, nasceu na freguesia de S. João, em Abrantes, em 17 de setembro de 1933 e faleceu a 11 de janeiro de 2021, em Coimbra, com 87 anos.
PS: Declaração de interesses: Conheci o José Diniz quando todas as semanas ou de 15 em 15 dias, às quartas-feiras a biblioteca Itinerante Calouste Gulbenkian, cor de tijolo, parava na “Estalagem”, em Mouriscas, ao lado do café Central. Andaria, para aí, no 7.º ano por isso, devorava os livros d’Os Cinco ou dos Sete, sendo a Enid Blyton. Depois passava pelo Spirou, Tintin, Lucky Luke ou Astérix, em banda desenhada. E foi o José Diniz que um dia deu-me uma carolada na cabeça (como fazia repetidamente) e tirou-me as BD’s das mãos para me levar a outra secção. Agatha Christie passou a ser a escritora que me acompanhou nas suas histórias de mistério, através da dedução e pensamento de Hercule Poirot. E tal como aconteceu comigo, aconteceu com muitos outros, como o escritor José Luís Peixoto, ali em Galveias, concelho de Ponte de Sor.